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Pé na praia: Encontros na rota da droga

Thomas Fischermann
28 de junho de 2017

O jovem Afonso é um dos muitos no Acre que já se aventuraram no contrabando de drogas. Geografia da fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia, repleta de rios, mangues e florestas, dificulta trabalho de investigadores.

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Thomas Fischermann
Thomas Fischermann vive no Rio de JaneiroFoto: Dario de Dominicis

Algumas vezes, meus chefes na Alemanha me pedem: "Escreva sobre cocaína!" Faz parte dos deveres de um correspondente na América do Sul. De vez em quando, converso com os traficantes de drogas e com os investigadores para tentar entender esse comércio sinistro. Minha pesquisa mais recente me levou ao Acre, na fronteira do Brasil com o Peru e a Bolívia.

Estava preparado para procurar por passagens secretas de contrabandistas na floresta, depósitos clandestinos para barcos e pistas de aterrissagem para pequenos aviões. Já tinha feito isso em outros lugares da América Latina.

No Acre foi diferente. Eu tinha a impressão de que os traficantes não precisavam se esconder muito por lá. As fronteiras? Estão abertas. Algumas toneladas? Levam de barco, de caminhão, ou divide-se a droga em um grupo de mochileiros que a transportam caminhando pela floresta. 

Em um porto fluvial do lado boliviano, conheci o Afonso (nome alterado). Parti do lado brasileiro do rio, onde foi construído um posto policial e alfandegário durante o governo Dilma. O posto tinha as vidraças enegrecidas, em seu interior havia armários com trancas para coletes à prova de balas e outros equipamentos militares. Quando comecei a rumar para a Bolívia, onde iria conversar com Afonso, já não trabalhava mais ninguém no posto de vigilância.

Afonso me contou que aconteceu com ele algo ruim. Ele me pediu dinheiro. Na época de minha visita, vivia na rua há algumas semanas, em um pequeno lugarejo às margens do rio. Precisava se esconder por um tempo. Pensava em talvez se entregar para as autoridades.

Pareceu-me que ele não era maduro o suficiente para esse tipo de negócio. Um jovem de no máximo 20 anos, um garoto de cabelo encaracolado de um bairro da periferia de Porto Velho. Tinha assaltado e roubado carros com alguns amigos que estavam à mão armada – ele não, pelo menos foi o que me contou. Um dos membros do grupo atirou em um dono de caminhonete. Queriam levar os carros para a Bolívia e passá-los para um chefe de cartel – Afonso me contou até mesmo seu nome. Mas aí deu tudo errado, e Afonso só conseguiu fugir para a Bolívia de mãos vazias.

Deve-se sempre tomar cuidado com histórias como essa. Mas Afonso contou tudo em detalhes minuciosos, e esse tipo de negócio de troca acontece na região com frequência. Levam-se carros roubados do Brasil e, no caminho de volta, se reabastecem com outras coisas para revender no país: quilos de cocaína e "bicos", como são chamados os fuzis.

A história de Afonso não era nenhum caso isolado. Fiquei na sala de espera para os passageiros da barca. Na televisão local, passava um programa que falava sobre esse assunto. "Roubo!", anunciavam com letras grandes. Antigos proprietários de caminhões e caminhonetes, que haviam sido assaltados no Brasil, foram entrevistados. Seus veículos ficaram desaparecidos. Nas ruas do lugarejo portuário, do lado boliviano, descobri muitos carros sem placa. Mas as pessoas me disseram que isso era normal. Ninguém ligava muito para esse negócio de carro emplacado na Bolívia.

Dava para falar mais sobre o plano fracassado de Afonso. Mas o que achei de interessante em tudo isso foi o seguinte: a parte mais difícil do plano, que exigiria muito em qualquer outro país, havia sido negligenciada pelo bandido. Contrabandear? Esconder-se da polícia? Muito fácil. É só seguir a estrada de carro e cruzar a fronteira de barco até o país vizinho. Alguns dias depois questionei um investigador a esse respeito.

"A situação geográfica é nosso maior problema", disse o investigador chefe da Polícia Federal na região, e suspirou. Abriu um mapa, seguindo a fronteira com o dedo. Entre os três países, há quase só rios, mangues e floresta.

O homem da PF me explicou: para se deter contrabandistas, transportadores de drogas e de armas como Afonso, só mesmo com muita sorte, um vazamento – quando bandidos trocam informações por telefone –, ou uma traição. Então, os homens do investigador conseguem flagrar um carro ou um barco carregado de drogas, descobrir um laboratório de cocaína clandestino na floresta, ou até ligar para a Aeronáutica e perseguir um pequeno avião.

"Não é suficiente simplesmente prender esses contrabandistas pelo caminho", disse. "Muitos outros virão depois. As operações realmente bem sucedidas só aconteceram quando desmantelamos uma organização inteira, junto com suas posses, seus investimentos e assim por diante."

Quando foi a última vez que teve sorte? O homem da PF sorriu. "Recebemos muitas denúncias, mas o Senhor nem imagina como é difícil chegar  a esses lugares na floresta", explicou, frustrado.

"Certa vez tivemos uma denúncia e tentamos dar o flagrante numa pista de aterrissagem numa fazenda. Mas não chegamos à tempo. Nos deslocamos pela floresta por dois dias seguidos, mas depois tivemos que desistir. As formigas estavam entrando por nossos coletes à prova de bala e devorando tudo", contou.

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna "Pé na Praia" faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.