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Pé na praia: Jeitinho brasileiro no aeroporto

Thomas Fischermann
14 de junho de 2017

Em meio a uma nevasca em Nova York, o jornalista alemão Thomas Fischermann conheceu a capacidade dos brasileiros de, diante de uma situação difícil, agir com charme e improvisação. Foram três dias de festa.

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DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Alguns alemães me perguntam sobre o jeitinho brasileiro. Sempre respondo: Nova York, 2003. Foi lá, já há algum tempo, que conheci o modo genial de muitos brasileiros de tornar situações difíceis em algo bom, lidando com obstáculos insuperáveis com charme e improvisação. Ainda não sabia que um dia viveria no Brasil e, na época, nunca havia ouvido falar do tal jeitinho.

Sim, sei que alguns de meus leitores irão comentar que o jeitinho é simplesmente um clichê. "Venha para o Sul", vão dizer. "Lá tudo é resolvido de forma correta e sem humor, como na Alemanha." Mas, em 2003, numa tempestade de neve histórica no aeroporto John F. Kennedy, experimentei o jeitinho à brasileira, com muito traquejo e vivacidade.

Eu vivia em Nova York e queria voar para São Paulo por razões amorosas. O mais prático que se podia conseguir era uma passagem da antiga Varig. A extinta companhia aérea ficou na minha memória pela amabilidade de seus funcionários e por aviões pré-históricos.

Voava para todo lado com o MD11, que só têm três motores. No dia da minha partida, um deles estava falhando. As peças para o motor do MD11, antes fáceis de conseguir, não o eram mais no ano de 2003. Um avião de carga com um kit de conserto estava vindo de Miami até nós. Havia esperança. Tudo sob controle. Até que chegou a tempestade de neve.

Uma nevasca gigantesca havia atingido Nova York. A neve foi se acumulando e chegou a atingir dois metros de altura. À direita e à esquerda de nosso portão de embarque, as aeromoças reuniam os últimos passageiros de outras companhias. Seus pilotos experientes com neve decolaram: Alitalia, Lufthansa, Korean Air. Outros pilotos se recusaram: muita neve, muito perigo. O avião brasileiro, avariado, estava fora de questão. E a aeronave vinda de Miami com as peças também não conseguiu aterrissar.

No final tivemos que esperar três dias, ilhados no aeroporto. A neve estava tão alta que nem mesmo ônibus podiam levar os passageiros para os hotéis. Restou-nos acampar no chão da sala VIP da Varig. Fiquei admirando a capacidade de tolerância dos passageiros brasileiros, o seu ânimo de festejar, e seu instinto para praticidade.

Um jovem consultor de São Paulo, que tinha um cartão de viajante frequente, ia com intervalos regulares até a sala VIP. Trazia gim, vodca e conhaque para a nossa turma. Esperávamos sentados sobre nossas malas e conversávamos tão alto que os passageiros do outro lado, na sala VIP da El Al, colavam seus narizes curiosos na vidraça. A festa durou três dias, no olho de uma tempestade de neve.

Até que, quando já não estávamos mais contando com isso, a tempestade de neve passou. O MD11 foi consertado. Fizemos fila no guichê de check-in, com traços da farra em nossos olhos e nosso bafo. A Varig exigiu um teste alcoólico. Uma aeromoça de mau humor pediu para o consultor, que estava à minha frente na fila, para olhar para a direita e para a esquerda, e para dar uns passos em linha reta.

Meu colega da farra fez a aeromoça ruborizar. "Você é a mulher mais bonita que já vi em toda minha vida", confidenciou-lhe, e esboçou um abraço. Não sei mais todos os detalhes da discussão que se seguiu. Mas, no final, o consultor, como todos os outros, embarcou junto comigo no voo para São Paulo.

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Em sua coluna "Pé na Praia" faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.