Conferência sobre governança da Internet termina sem consenso
25 de abril de 2014A carta de intenções sobre governança global aprovada nesta quinta-feira (24/04) na conferência NETMundial, em São Paulo, não foi bem recebida por alguns países, como Rússia, Cuba e Índia, além de organizações da sociedade civil.
O documento final menciona o respeito aos direitos humanos, como a privacidade e a liberdade de expressão. "A vigilância em massa e arbitrária diminui a confiança na Internet e no ecossistema de governança. A coleta e o processamento de dados por estados ou atores não-estatais deve ser conduzida de acordo com as leis internacionais de direitos humanos."
O texto foi considerado pouco rigoroso pelos críticos, que esperavam uma condenação mais enfática à espionagem eletrônica. Outro ponto polêmico foi a neutralidade da rede, que impediria, entre outras práticas, uma oferta diferenciada de conexão aos usuários de um mesmo provedor.
O princípio, uma das bandeiras do governo brasileiro, foi barrado pelo setor privado, os Estados Unidos e a União Europeia (UE). A neutralidade foi mencionada apenas como "ponto a ser discutido" em outros encontros. "Nós nos posicionamos claramente a favor. Infelizmente não entrou, mas foi reconhecido que o tema deve ser retomado", defendeu o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, assegurando que o governo estava satisfeito com o resultado.
Por outro lado, membros de organizações da sociedade civil se disseram desapontados. "O documento final não reflete adequadamente algumas das nossas principais preocupações, como a neutralidade da rede e a vigilância em massa, que não foi suficientemente denunciada. O documento falha em proteger o direito a privacidade e liberdade de expressão", declararam.
Apesar das críticas, a representante da sociedade civil, Stephanie Perrin, celebrou a carta de intenções. "O encontro foi uma iniciativa muito corajosa e não é possível agradar a todos. Comumente, um documento de um grupo multissetorial não chega a implementações concretas e práticas."
"Eu acho que foi o máximo que nós conseguimos. Há muitas coisas no documento com as quais eu não estou feliz, mas eu posso aceitar esse texto. Acho que a nossa impressão sobre o documento vai certamente mudar com o tempo. O que realmente importa é o processo que nós introduzimos aqui, que desencadeou um grande aprendizado para todos", afirmou a representante do setor acadêmico, a pesquisadora alemã Jeanette Hofmann.
Rússia, Cuba e Índia
A dificuldade de se atingir um consenso atrasou as negociações. No final, Rússia, Cuba e Índia se opuseram ao documento. O representante russo reclamou de falta de transparência nas decisões.
"Algumas regras que estavam no documento base foram alteradas arbitrariamente. Nossas sugestões foram ignoradas. Esse texto vai promover a desigualdade na Internet entre os países e a erosão dos princípios de soberania", disse.
A crítica do representante indiano foi mais leve, afirmando que concordava "com grande parte do corpo de pensamento" que surgiu no evento, mas alguns "importantes princípios" haviam sido excluídos. O representante cubano pediu que o debate fosse levado também às Nações Unidas e que incluísse uma ajuda para os países em desenvolvimento.
Dia histórico
Mesmo com todas as dificuldades, a maioria dos participantes se mostrou satisfeito com o encontro. Para o presidente da Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (Icann), Fadi Chehadé, o dia foi histórico.
"Amigos da Índia, Rússia e Cuba, nós precisamos que vocês se unam a nós. Como se diz na África, se você quer ir rápido, vá sozinho. Mas se você quiser ir longe, vamos juntos. Então vamos todos juntos. Nós podemos celebrar hoje, mas amanhã é preciso começar o trabalho de implementação", declarou.
Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web (WWW), considerou a conferência positiva. "Mesmo sem um resultado claro, eu acho que foi feita uma forte defesa dos direitos humanos na Internet." Ele elogiou a liderança do Brasil e a aprovação do Marco Civil, sancionado pela presidente Dilma Rousseff no primeiro dia da conferência.
O secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e presidente do NETMundial, Virgilio Almeida, afirmou que o evento cumpriu o seu papel. "Vamos ser claros e francos. Esse pode não ser um documento perfeito, mas é o resultado de um processo de baixo para cima, com contribuições multissetoriais de todo o mundo. Novas idéias e mudanças de paradigmas levam tempo."
O encontro, que reuniu mais de mil participantes de 97 países, tinha por objetivo definir princípios da governança da Internet e um roteiro para implementá-la. Em uma abordagem multissetorial, participaram representantes de governos, sociedade civil, empresas, academia e comunidade técnica.