A guerra dos votos
27 de fevereiro de 2003O que deverá acontecer, se a ONU rejeitar uma intervenção militar no Iraque e os EUA, apesar disso, atacarem a terra de Saddam Hussein? Será que a organização está preparada para, com cara de tacho, colocar o rabo entre as pernas e sair de fininho, fingindo que nada aconteceu?
Ou o que pode acontecer, se os membros permanentes e temporários do Conselho de Segurança optarem pelo ataque ao Iraque? Terá a ONU, teoricamente uma organização criada para defender a paz mundial, que carregar sobre seus ombros o peso de ter legitimado uma guerra, que com ou sem seu aval teria acontecido?
Despedida alemã - Acuados entre o fogo e a caldeira, os países-membros temporários do Conselho de Segurança da ONU nunca exerceram um papel tão decisivo nas relações internacionais de poder. Nesta sexta-feira (28), a Alemanha despede-se aliviada da presidência rotativa do Conselho, que fica, a partir do sábado, nas mãos da Guiné. Alívio porque, com sua posição antibélica, teria sido extremamente desagradável para o embaixador alemão Gunter Pleuger ter que eventualmente anunciar uma decisão pró ação militar no Iraque.
Festinha -
Na sexta-feira, Pleuger abre as portas da Casa Alemã, situada em frente à sede das Nações Unidas em Nova York. Apesar das desavenças, todos estarão lá: americanos e franceses, ingleses e russos, espanhóis e chineses. Afinal, as festas mensais que marcam a troca da presidência do Conselho de Segurança fazem parte dos rituais mais sólidos da diplomacia da ONU.Fazendo a corte -
Respirando fundo, os alemães passam o abacaxi para as mãos de Mamady Traore, o embaixador da Guiné. O país, ao lado do México, Chile, Angola, Camarões e Paquistão, forma o bloco dos indecisos no Conselho. Chamado por alguns de bloco dos "pressionados", esse grupo de países nunca foi tão cortejado por chefes de governo do chamado "primeiro mundo".Pendendo mais para uma posição contra a guerra, François Louceny, ministro das Relações Exteriores da Guiné, declarou na última semana que saúda um prolongamento da ação dos inspetores no Iraque. A postura antibélica da ex-colônia francesa (que não morre de amores por sua ex-metrópole) resulta menos de uma aliança com Paris do que da participação na Organização da Conferência Islâmica, da qual é membro. No contexto atual, a população do país exige do governo a solidariedade com os países árabes.
Visitas e telefonemas -
Além da Guiné, Angola e Camarões receberam também esta semana a visita da vice-ministra britânica das Relações Exteriores, Valerie Amos. Alguns dias antes, os países já haviam recebido um representante do Secretário de Estado norte-americano. O presidente angolano, José Eduardo dos Santos, recebeu ainda no último dia 5 um telefonema do vice-presidente norte-americano, Dick Cheney. Uma semana mais tarde, era o próprio Bush ao telefone. Entre os dois, foi a vez de Paris. Jacques Chirac também está indo atrás dos votos de Angola, Guiné e Camarões.Pressão -
Para o Chile e o México, a situação encontra-se mais do que periclitante. Enquanto o primeiro ainda depende da ratificação norte-americana para sua entrada na Alca, o segundo é absolutamente dependente economicamente dos EUA, para onde fluem 80% de todas suas exportações. O que não dizer do Paquistão, país que já recebeu de Washington claros sinais de que um não no Conselho de Segurança pode significar o fim de toda a ajuda financeira prometida para o país.Resta saber agora o que farão os membros permanentes do Conselho de Segurança. Vai Chirac virar a casaca, ouvindo os avisos do conservador Pierre Lellouche, de que "a França não pode dar um tiro nas costas dos EUA"?
Ou terá Putin ombros suficientes para vetar uma decisão contra os EUA, mesmo sabendo que, se a Rússia apoiar a guerra no Iraque, Moscou poderá contar com o silêncio de Washington em relação às atrocidades que comete em território checheno? Ou será que a decisão de vetar ou não deve cair nas mãos da China, onde se encontra nesta quinta-feira o ministro russo do Exterior, Igor Ivanov?
União desunida -
Pelo menos para a política européia, o conflito envolvendo a "crise do Iraque" serviu para expor a fragilidade política e diplomática de uma Europa que se proclama unida, como observa o sociólogo Sighard Neckel em entrevista ao diário Frankfurter Rundschau: "Praticamente nunca houve um tempo em que a opinião pública européia tivesse discutido tão intensamente sobre si mesma como hoje. Todos os clichês envolvendo estereótipos nacionais são oferecidos como espetáculo no palco político. Culturas políticas apresentam-se, isolam-se ou unem-se umas às outras. Constitui-se uma espécie de opinião pública européia através do conflito". A Europa mostra sua cara.