Vidas por trás dos números: Os sonhos atropelados de Maria
29 de novembro de 2024Sem hesitação, uma viatura blindada e fortemente armada do Exército (BTR) passou violentamente por cima de Maria Matusse, esta semana, durante os protestos convocados por Venâncio Mondlane, em Maputo. Infelizmente, ela conheceu a fama por via dessa brutalidade; hoje o seu país e a diáspora sabem quem é Maria Matusse.
Mas Maria é mais do que a ignóbil fama, é uma vida. "Hiii... Ela é uma boa pessoa, incrível. Eu falo na primeira pessoa. Se Deus existe, está a manifestar-se nela, porque ela é uma pessoa incrível, amigável, ri com todo o mundo, é um amor de pessoa", conta a cunhada em entrevista à DW.
Alegre, não foge a diversão, mas, como é previsível, na flor da idade, com 29 anos, Maria não fica indiferente a arbitrariedades, diz a cunhada Joana. "Quando há alguma injustiça, ela não se conforma. Quando vê que alguém falhou, tenha conversar com a pessoa para que as coisas possam ficar bem." A boa índole, desta vez, custou-lhe muito caro.
"Houve injustiça"
Hoje, Maria recupera-se no leito de uma unidade hospitalar privada, porque as unidades públicas não oferecem condições. O Governo, que se ofereceu para custear as despesas, vai assim contribuir para bolsos de privados ligados ao sistema, penalizando o setor de saúde público já enfermo. Nos cuidados Intensivos, a sua situação agora é estável.
São as mesmas autoridades que não pensaram duas vezes antes lhe abalroarem os sonhos. Joana conta que Maria planeava "trabalhar, estudar e terminar a casa dela".
Aliás, foi a saída do trabalho, nas proximidades do Ponto Final, que Maria foi atropelada pelo veículo blindado militar. Parou e juntou-se aos demais descontentes que exigiam a verdade eleitoral.
Os familiares foram tomados pela dor do sucedido: "Ficamos indignados, aquilo foi muito triste. Esse caso não pode parar, porque houve injustiça."
Governo não tolera cidadãos zangados?
Têm o consolo e a solidariedade dos cidadãos tomados pela comoção e igualmente inconformados. Estes não se cansam de oferecer ajuda e apoio moral, revela Joana. A sociedade civil, que está a compilar números da desumanidade policial, também lhes presta assistência e denuncia a barbaridade em alto e bom som.
Fátima Mimbire, ativista social, afirma que "o Estado não está preparado para lidar com manifestações, com cidadãos zangados".
"Aliás, é a primeira vez que o povo moçambicano se zanga. Outras vezes murmurou e andou por aí e ninguém levou a sério. O Estado está a usar de forma muita excessiva e desnecessária a força", denuncia.
Para o povo moçambicano, que esta semana derramou lágrimas, este é um momento de preces por Maria Matusse, que luta pela vida.