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Atropelamento da Polícia "é matéria para o TPI"

27 de novembro de 2024

Carro blindado da polícia atropela manifestantes pacíficos em Maputo. Caso choca o país e analista defende que PR se deve pronunciar ou "será considerado conivente". E revange contra polícia pode acontecer.

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Foto ilustrativa de viatura blindada da polícia moçambicana
Carros blindados da polícia moçambicana atropelaram hoje vários cidadãos em Maputo (foto ilustrativa)Foto: ALFREDO ZUNIGA/AFP

A barbaridade policial aconteceu esta quarta-feira (27.11) na Avenida Eduardo Mondlane, em pleno coração da cidade de Maputo. Cidadãos manifestavam-se pacificamente contra a fraude eleitoral e a má governação quando carros blindados da Polícia atropelaram, sem hesitação e a alta velocidade para uma zona intensamente habitada, vários cidadãos sem dó nem piedade. A polícia seguiu o seu curso como se nada tivesse acontecido, diante de olhares incrédulos dos cidadãos. Uma mulher foi atropelada.

As imagens que viralizaram nas redes sociais estão a ser amplamente repudiadas no país. Sobre o ato, a DW entrevistou o investigador moçambicano João Feijó, do Observatório do Meio Rural (OMR).

DW África: O atropelamento alegadamente propositado é algo que ultrapassa a violação dos direitos humanos?

João Feijó (JF): Eu estou chocado, é uma atitude assassina por parte da polícia, que perante uma manifestação e com todos os meios que tem para dissuadir as pessoas de se concentrarem naquele local prefere literalmente atropelar as pessoas, assassinar as pessoas. A Polícia de Moçambique que tem como função proteger as pessoas comporta-se como assassina do cidadão. Não percebo de onde vem todo esse ódio contra a população, não percebo quem dá esta ordem, mas quem o faz está a comportar-se da mesma forma que os colonialistas quando mandaram disparar contra a população que estava em protesto em Mueda [província de Cabo Delgado]. É uma forma gratuita de desvalorização completa do moçambicano, a negação total do direito à vida e um desprezo enorme pela população humana. E o mais incrível neste momento é que não há nenhuma mensagem do ministro do Interior, do Presidente da República  e do comandante-geral da Polícia a condenar esses atos, o que demonstra que são cúmplices destes atos. Isto já é matéria para o Tribunal Penal Internacional (TPI).

DW África: Esta barbaridade será resultado de uma ordem superior ou se trata de um despreparo da Polícia?

JF: Se a Polícia se comporta dessa maneira, muito provavelmente é porque tem instrução de excesso de zelo, em que os fins justificam os meios, creio eu. Se as lideranças deste país não condenarem o que vimos hoje, estarão a ser diretamente ou indiretamente cúmplices.

João Feijó, investigador do Observatório do Meio Rural (OMR)
João Feijó, investigador do Observatório do Meio Rural (OMR) Foto: Nádia Issufo/DW

DW África: Esta barbaridade poderá impulsionar atos de violência e de revange contra os agentes da Polícia?

JF: Muito provavelmente. O que vai acontecer nos próximos dias é o aumento da tendência de vingança das populações para com os polícias. Todos outros polícias vão correr riscos, inclusive os polícias que têm comportamento exemplar. Não são todos os polícias que agem assim, é um grupo de polícias fanáticos que muito provavelmente tem ordens superiores. Tenho a certeza que a maioria dos polícias não faz isto. Os polícias que hoje agiram dessa maneira não são polícias, são assassínos que devem ser afastados da coorporação. Deve haver uma investigação criminal para salvar a imagem do país a nível nacional e internacional. 

DW África: O PR, enquanto comandante em chefe, e com todos os poderes que a Constituição lhe confere, deveria também responder a estes atos de violência extrema?

JF: Deveria responder e condenar. Se não o fizer seria considerado conivente.

DW África: Moçambique vive um vincado contraste: ontem o PR mostrou um compromisso com o diálogo e hoje a Polícia mata seres humanos como se de barata se tratassem. Que leitura se pode fazer destes atos contraditórios?

JF: É que o Governo de Moçambique, através do seu Presidente, está apenas a fazer um teatrinho de diálogo em que fala de paz e de abertura ao mesmo tempo que coloca a polícia na rua a tentar assassinar o candidato da oposição Venâncio Mondlane, ao mesmo tempo que permite a PGR ter este excesso de zelo contra Venâncio Mondlane ignorando outros aspetos, outros crimes públicos cometidos pela Polícia de Moçambique ou permitindo que esta tenha este tipo de comportamento que é cada vez mais violento, mais desproporcional, cada vez mais tonto e assassino.

Nota da redação: Uma versão anterior deste artigo referia que o atropelamento vitimou mortalmente a manifestante, mas de acordo com informações recolhidas entretanto pela DW junto da família, a cidadã encontra-se hospitalizada nos cuidados intensivos - Atualizado às 13:12 (CET) de 28 de novembro de 2024

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Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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