Porquê o silêncio de tantos países em relação à Venezuela?
5 de março de 2019O autoproclamado Presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, chegou na segunda-feira à tarde (04.03) ao aeroporto de Caracas, desafiando ameaças de prisão do Governo de Nicolás Maduro.
"Estamos aqui na Venezuela, depois de uma bem-sucedida viagem internacional e do reconhecimento de dezenas de países, em busca de apoio humanitário e à causa venezuelana e democrática, para continuar a exercer a autoridade e conseguir o fim da usurpação, um governo de transição e eleições livres", afirmou Guaidó à chegada.
Na altura em que o opositor e presidente da Assembleia Nacional regressou a Caracas, depois de um périplo por vários estados da região, milhares dos seus apoiantes, começaram a concentrar-se em várias cidades do país, pedindo liberdade, vestidos de branco e com bandeiras da Venezuela.
Há semanas que a Venezuela vive num limbo político, devido a uma luta de poder entre Guaidó, reconhecido como Presidente interino da Venezuela por 50 países, e Nicolás Maduro, que se mantém como chefe de Estado.
Uma questão de legitimidade
"O Parlamento declarou que o segundo mandato de Maduro é ilegal", afirma Henning Suhr, chefe do escritório na África do Sul da fundação alemã Konrad Adenauer, ligada ao partido da chanceler alemã, Angela Merkel, a União Democrata Cristã (CDU). Segundo ele, o Parlamento de Caracas deveria ter nomeado uma comissão eleitoral antes das eleições presidenciais, mas o Governo de Maduro passou-lhe por cima.
O opositor chadiano Saleh Kebzabo diz, no entanto, que a questão da ilegalidade do mandato de Maduro é uma mera "desculpa" usada pelos "países poderosos", usada para disfarçar os seus interesses na Venezuela.
A visão africana
Até agora, muitos países africanos têm estado em silêncio sobre a crise na Venezuela. Angola, um dos poucos Estados que falou abertamente sobre o assunto, diz que "não tem razões" para abandonar as relações diplomáticas com Nicolás Maduro.
"É um governo legítimo e eleito e é com ele que temos relações diplomáticas", afirmou n o ministro angolano das Relações Exteriores, Manuel Augusto, na segunda-feira. "No que diz respeito à crise na Venezuela, Angola pugna pelo diálogo e parece que é esta posição é a que vai prevalecer. Com as últimas informações, com os últimos sinais, tudo indica que não há outra saída se não o diálogo".
Esse é, aliás, uma posição semelhante à da União Africana, que também defende o diálogo interno. Já a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC, na sigla em inglês) recusa apoiar Guaidó. A África do Sul também é assumidamente pró-Maduro. Marrocos é, porém, a favor do autoproclamado Presidente interino venezuelano.
Ainda assim, regra geral, "existe uma certa discrição" nos comentários à situação na Venezuela, comenta o jornalista Seidik Abba, do jornal "Le Monde Afrique".
"Até agora, não há posições públicas que apoiem o Governo de Nicolás Maduro, porque alguns países não querem atrair a ira dos seus parceiros europeus ou ocidentais", diz.
Muitos países têm laços históricos com a Venezuela. Durante a Guerra Fria, vários movimentos de resistência africana foram apoiados por regimes socialistas. Angola, por exemplo, recebeu apoio militar direto de Cuba. E isso explica os laços que se mantêm até hoje, explica Henning Suhr, que trabalhou entre 2013 e 2017 no escritório venezuelano da fundação Konrad Adenauer, antes de ir para a África do Sul.
Além disso, acrescenta o jornalista Seidik Abba, o antecessor de Maduro, Hugo Chávez, ajudou vários países africanos: "A Venezuela partilhou o seu petróleo com países africanos mais pobres. Deu grandes quantidades de petróleo a países como o Mali, o Níger ou o Benim, de graça."
O Governo venezuelano ajudou ainda vários movimentos da sociedade civil africanos. Os apoios podem até ter diminuído durante o mandato de Maduro, mas muitos grupos políticos continuam a ter uma ligação forte ao Governo socialista.
Dois pesos e duas medidas?
Suhr acredita que há ainda uma certa dose de sentimentos anti-imperialistas e antiamericanos que explica a falta de apoio a Guaidó.
A decisão do Congresso Nacional Africano (ANC) de apoiar Maduro foi puramente ideológica, diz, embora Suhr tenha ficado surpreendido: "A Venezuela tem vários presos políticos. A maioria da população está a sofrer. Maduro só consegue ficar no poder enquanto tiver o apoio do Exército. E isto é muito parecido a aconteceu durante o regime do 'apartheid', aqui na África do Sul."
Abba, por outro lado, critica a forma como os países ocidentais reagiram à crise na Venezuela, em comparação com situações semelhantes no continente africano: por exemplo, quando, na República Democrática do Congo, o candidato Félix Tshisekedi foi declarado vencedor das eleições de dezembro de 2018. A Igreja Católica e outros observadores acreditam que o opositor Martin Fayulu deveria ter ganho o escrutínio. Mas o Ocidente ficou em silêncio sobre o assunto.
"Não percebo como é que se pode apoiar Guaidó na Venezuela e não apoiar Martin Fayulu na República Democrática do Congo ou Maurice Kamto nos Camarões", comenta Abba.