PR considera "chocante e repugnante" desvio de fundos
14 de março de 2019A cidade do Lobito, na província de Benguela, acolheu esta quinta-feira (14.03.) a cerimónia de abertura do novo ano judicial em Angola, ato que contou com a presença do Presidente angolano, que efetuou paralelamente uma curta visita de trabalho à região.
Além de participar na cerimónia, que teve como lema "Pela Independência do Poder Judicial e a Autonomia Administrativa, Financeira e Patrimonial dos Tribunais", João Lourenço inaugurou, também no Lobito, o Tribunal de Comarca da mesma cidade, que se tornará o primeiro do género no país.
João Lourenço, considerou "no mínimo, chocante e repugnante" o relatório sobre os investimentos privados realizados com recurso a "avultados fundos públicos", que dá conta da perda de 4.700 milhões de dólares (4.100 milhões de euros).
Reaver o que pertence aos angolanos
No seu discurso o chefe de Estado angolano, referiu que, após os seis meses de graça que a lei conferiu aos visados, até 26 de dezembro de 2018, no quadro do Repatriamento Coercivo de Capitais, o Estado "está no direito de utilizar todos os meios ao seu alcance para reaver ao que ao povo angolano pertence".A Lei de Repatriamento de capitais foi aprovada a 26 de junho de 2018 com o objetivo de devolver a Angola os montantes investidos no exterior do país, ilegalmente colocados em paraísos fiscais e outras praças financeiras, prazo que terminou a 26 de dezembro do mesmo ano e cujo total já eventualmente retornado ainda está por revelar.
"Passados que são três meses [desde o final do prazo, tendo entrado em vigor a Lei de Repatriamento Coercivo de Capitais]], estamos empenhados a trabalhar nesta direção, com o concurso dos cidadãos que denunciam, dos competentes serviços de investigação, do Ministério Público e dos tribunais, que intervirão quando chegar o momento", referiu João Lourenço.
Estado angolano lesado
Na quarta-feira (13.03.), no comunicado final do Conselho de Ministros Extraordinário, é indicado num só parágrafo que o Estado angolano foi lesado em mais de 4.700 milhões de dólares (4.100 milhões de euros) em investimentos privados feitos com fundos públicos.Segundo o documento, que não avança quaisquer pormenores sobre nomes dos investidores, o montante foi apurado por uma Comissão Multissetorial criada pelo Presidente angolano, João Lourenço, em dezembro de 2018, com o objetivo de identificar os investimentos feitos com fundos públicos antes de chegar ao poder, em setembro de 2017.
Esta quinta-feira, João Lourenço foi mais longe e indicou que o grupo de trabalho que tinha como responsabilidade proceder ao levantamento com toda a informação dos investimentos realizados com recursos a avultados fundos públicos identificou tratarem-se de "alguns dos grandes grupos empresariais privados" da praça angolana.
"No essencial, o trabalho está concluído e em posse do executivo, sendo o conteúdo do relatório, permitam-me dizê-lo, no mínimo chocante e repugnante", frisou.
Segundo o Presidente angolano, o Estado terá perdido perto de cinco mil milhões de dólares, "que beneficiava uma elite muito restrita".
"Estamos, assim, em condições de, nos próximos dias, acionarmos os mecanismos para o Estado reaver o património e os ativos que lhe pertencem a abrigo da Lei 15/18 de 26 de dezembro sobre o Repatriamento Coercivo, apenas na sua componente interna da perda alargada de bens", referiu.
Justiça cada vez mais célereNa sua intervenção, João Lourenço apontou a necessidade uma justiça "cada vez mais célere, mais acessível à esmagadora maioria dos cidadãos, mais capacitada para responder aos grandes desafios do combate ao crime no geral, de combate à corrupção e à impunidade", contribuindo para a moralização de toda a sociedade e tornar o mercado nacional mais competitivo e seguro para a atração do investimento privado nacional e estrangeiro.
Em 2018, na cerimónia de abertura do novo ano judicial realizada em Luanda, o Presidente de Angola destacou no discurso então proferido que um dos objetivos da governação é dotar o sistema de justiça de maior capacidade, em termos materiais e de recursos humanos, indicando que serão criados 60 novos tribunais de comarca e cinco da relação.
Segundo a lei orgânica sobre a organização e funcionamento dos tribunais de jurisdição comum, que entrou em vigor a 02 de fevereiro de 2015, serão criados, numa fase inicial e experimental, os tribunais (primeira instância) das províncias de Luanda, Bengo, Cuanza Norte, Benguela e Huíla.
Da mesma forma, serão implementados os tribunais de relação (primeiro recurso) de Luanda e de Benguela, inicialmente com uma área de intervenção geográfica mais alargada.
Adaptar administração da Justiça à Constituição
A nova legislação surge, lê-se no preâmbulo da Assembleia Nacional, porque "urge conformar a administração da Justiça angolana à Constituição da República de Angola".Os tribunais de Comarca podem compreender o território de "um ou de vários municípios da mesma província judicial", tendo jurisdição na respetiva área e que pode ser desdobrada em salas de competência especializada ou de pequenas causas e criminais, designando-se pelo nome do município sede.
"A instalação dos tribunais de relação e dos tribunais de comarca em todas as províncias é precedida de um período experimental e obedece a um gradualismo que é estabelecido em função das condições humanas, materiais e técnicas existentes", prevê igualmente a legislação já em vigor, cuja proposta foi elaborada pela Comissão de Reforma da Justiça e do Direito (CRJD).
Tribunal Provincial de Luanda
Na prática, os 18 tribunais provinciais atuais, que julgam sobre todas as matérias, vão dar lugar - tal como os municipais - a 60 tribunais de comarca de competência genérica, de primeira instância.
A título de exemplo, na capital angolana deixará de existir o Tribunal Provincial de Luanda, passando a funcionar quatro de comarca, em Luanda, Cacuaco, Viana e Belas.
A lei implica a criação de cinco regiões judiciais, com um tribunal de relação próprio, abrangendo as províncias judiciais de Luanda (sede), Bengo e Cuanza Norte (Região I); Uíge (sede), Malanje, Zaire e Cabinda; (Região II); Benguela (sede), Bié, Cuanza Sul e Huambo (Região III); Huíla (Sede), Cuando Cubango, Cunene e Namibe (Região IV); e Lunda Sul (sede), Lunda Norte e Moxico (Região V).
Mantêm-se as províncias judiciais, que correspondem à divisão político-administrativa do país e o Tribunal Supremo como última instância de recurso da jurisdição comum.
A reorganização prevê igualmente a independência financeira dos tribunais, o que obrigará à criação de unidades de gestão para cada uma das 18 províncias.