No dia 1º de janeiro de 2019, Jair Messias Bolsonaro vestia a faixa presidencial com a promessa de transformar o Brasil. Seu todo-poderoso ministro da Economia, o "Posto Ipiranga" Paulo Guedes, faria uma revolução neoliberal. Acabou a mamata, o Estado assistencialista, a farra de gastos e a grana solta no Congresso! "Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão", cantara o general Augusto Heleno, atual ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, meses antes, durante a campanha eleitoral.
Mas a vida não foi justa com Bolsonaro e suas promessas. Assim, em vez da responsabilidade fiscal, veio a pandemia. E, com ela, bilhões de gastos extras para auxiliar a população. Não teria sido preciso gastar tanto, disse Bolsonaro. A culpa é dos governadores, que mandaram as pessoas ficarem em casa, em vez de continuarem trabalhando como se nada estivesse acontecendo, como queria o presidente. Nem os bilhões para comprar vacinas ele teria gastado.
Mas, calma, a economia brasileira terá uma "recuperação em V", prometia Paulo Guedes: foi lá em baixo, para logo depois ir lá em cima. Mas logo veio a guerra na Ucrânia para acabar com a recuperação econômica.
Agora, bem atrás do seu oponente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais, Bolsonaro parte para o vale-tudo: faz tudo o que prometeu, só que ao contrário. Já tinha deixado o Centrão embarcar no seu governo, para se blindar contra um impeachment. Depois veio o "orçamento secreto", no valor de R$ 16,5 bilhões para este ano e uma previsão de até R$ 19 bilhões para 2023. Vale tudo para segurar o apoio do Legislativo, até mamata para os representantes do povo.
Agora, falta segurar os eleitores no meio de uma inflação cada vez mais galopante. Para isso, criou-se a PEC Eleitoral, já aprovada no Senado, que vem com gastos extras na casa de R$ 41 bilhões, amparados na declaração de um estado de emergência até o fim do ano. Se a proposta for aprovada também na Câmara, o governo poderia abrir as comportas, subindo o Auxilio Brasil de R$ 400 para R$ 600 mensais e criando benefícios para caminhoneiros, no valor de R$ 1.000, e para taxistas, no valor de R$ 200, para abafar os aumentos da gasolina, entre outros benefícios.
É o Estado assistencialistas dando a volta por cima. Mas não se vê muitas críticas da oposição. Ela até votou a favor da PEC Eleitoral no Senado. Pois para Lula, Ciro Gomes e Simone Tebet, ficaria perigoso se opor aos benefícios para milhões de atingidos pela crise. Ficaram de mãos atadas diante da postura populista de Bolsonaro.
Já a "guerra do ICMS" tem trazido uma boa narrativa para Bolsonaro atacar a oposição. No final de junho, o governo sancionou uma alíquota fixa para o ICMS para baratear o custa da gasolina. Quem pagará o preço dessa medida serão os estados, que perderiam arrecadação e, por isso, acabaram acionando o Supremo Tribunal Federal (STF). "Esses nove governadores entraram na Justiça para não diminuir o preço dos combustíveis", atacou Bolsonaro os governos nordestinos na sua live semanal. "Estão unidos contra você, contra o contribuinte, contra o trabalhador."
"Esse pessoal disse que está ajudando o pobre. É mentira. Eles querem que o pobre se exploda", disse o presidente, com expressão sorridente. Ele sabia que, desta vez, a vida não será justa com os governadores, que ficam entre perder arrecadação ou ser vilões da história.
Assim, possivelmente não sobra mais ninguém para defender a razão fiscal nestes tempos de campanha eleitoral. A conta pelo descontrole fiscal viria em 2023, inclusive com uma alta dos juros prolongada, alertam economistas. Portanto, Bolsonaro, que luta pela reeleição em outubro, não vê problema nisso agora. Vai sobrar para o próximo presidente (mesmo que seja o presidente reeleito), ao receber a faixa presidencial no dia 1º de janeiro de 2023, prometer finalmente acabar com a mamata e as farras governamentais.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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