"You economy": NY põe modelo de trabalho em xeque
21 de agosto de 2018Faltam poucos minutos para as oito horas da noite no bairro novaiorquino do Queens. Sikander Singh entra num Toyota Camry preto, dá uma breve olhada para trás e instala o smartphone no painel. Para o motorista do Uber de 23 anos, este é apenas mais um dia de trabalho.
"Não tem trânsito à noite, é por isso que gostamos", diz. "Eu não tenho paciência para dirigir durante o dia com os engarrafamentos", explica.
Singh se mudou para Nova York vindo do Paquistão há cinco anos. Depois de uma busca infrutífera por trabalho, ficou sabendo do Uber por um amigo, que contou que ele poderia ganhar mais de 400 dólares por dia. Segundo o que lhe disseram, tudo o que ele precisaria seria de uma carteira de motorista pela qual pagaria cerca de mil dólares – um custo bem menor do que uma licença para dirigir um táxi, para a qual se gasta centenas de milhares de dólares.
Singh passou no teste de primeira. Apenas dias depois, estava atravessando Nova York com os primeiros clientes a bordo de um automóvel alugado e equipado com seu smartphone. Era o seu primeiro trabalho de verdade na cidade – e, da noite para o dia, ele passou a integrar a chamada "You economy" ("Economia do Eu", em tradução livre), onde cada um é seu próprio chefe.
Embora especialistas apresentem definições para "You economy" , basicamente se trata de um modelo de negócios onde indivíduos criam seus próprios empregos. Compartilham seus carros, apartamentos, tecnologias e talentos. Você é seu próprio chefe e recebe quando aparecem as incumbências. O que, para muitos, é um emprego secundário para complementar a renda, acabou se tornando a única oportunidade de ganhar dinheiro para uma ampla quantidade de imigrantes.
Richard Wolff, professor emérito da Universidade de Massachusets na cidade de Amherst, fala num desequilíbrio crescente entre o poder das empresas e dos seus funcionários. Ele argumenta que, enquanto as empresas lucram cada vez mais e economizam dinheiro empregando força de trabalho e maquinário baratos, os funcionários passam cada vez mais apertos.
"Por 30 anos, aumentou a carga de trabalho que o funcionário fornece à empresa", explica Wolff. "Isso cria uma desigualdade de renda e saúde que se traduz numa desigualdade de poder, que conseguiu converter benefícios reais e protegidos e empregos seguros numa economia incerta, desprotegida e sem lucros de trabalhos esporádicos, a chamada 'You economy' que temos agora", descreve o professor.
Ele afirma que freelancers (profissionais autônomos) são deixados sem nenhum seguro social. "É horrível: você está por conta própria, e o capitalista vai te usar quando quiser. E, quando ele não quiser, você não tem nada", afirma.
Wolff acredita que especialmente os jovens que foram forçados a integrar a "You economy" tendem a pintar um quadro positivo demais da própria situação. "Claro, há millennials que acreditam que isso é liberdade", explica. "Mas a ironia é que, sim, você é livre para viajar pelo país de uma forma que um funcionário fixo nunca poderia fazer. Mas, infelizmente, você também é livre para morrer de fome, para não ter nenhuma vida pessoal se os capitalistas não puderem obter lucros", constata.
O economista de 76 anos diz ter certeza de que os Estados Unidos estão caminhando em direção a uma crise, alertando que há jovens demais no sistema sem provisões para a velhice. E ele acredita que o país vai se afundar ainda mais em dívidas – porque a "You economy" não se sustenta.
Ele vai até o ponto de dizer que "o sistema não está apenas com problemas. Pode até ser que esse sistema já esteja perto do fim. Todos os outros sistemas econômicos nasceram, se desenvolveram com o tempo e depois morreram", lembra.
Susan Sly, fundadora de várias empresas, discorda. "Não acho que a 'You economy' esteja morta. Está viva e bem de saúde", diagnostica.
Dados estatísticos parecem lhe dar razão. Segundo a empresa de pesquisas de mercado Harris Poll, 33% dos cidadãos americanos já ganharam algum dinheiro na "You economy". O instituto prevê que esse número aumente para cerca de 50% nos próximos dois anos.
Susan Sly trabalha com 400 empresas desse modelo de empreendedorismo individual. Ela criou seu primeiro negócio aos 11 anos. "A demanda dos millenials é pelo equilíbrio entre trabalho e vida pessoal", avalia. "Eles escolheriam esse equilíbrio entre trabalho e vida pessoal em detrimento de salários maiores, dizendo que não gostariam de trabalhar da mesma maneira que a geração anterior está trabalhando. Eles querem viver a própria vida de acordo com os próprios padrões", descreve.
Sly tem certeza de que os millenials não têm nenhuma ilusão de que o governo vai pagar suas despesas quando estiverem velhos. Ela destaca que qualquer um pode se tornar um empreendedor rapidamente, por meio de plataformas como o serviço de transporte por aplicativo Uber, o serviço de compartilhamento de casas Airbnb ou vídeos no YouTube. Em comparação com o que era preciso gastar há poucas décadas, hoje em dia esse tipo de atividade requer pouco capital necessário, acrescenta a empresária, que argumenta que é possível fazer muito a partir de casa e na internet.
Porém, a cidade de Nova York decidiu tornar mais rígidas as regulações de empresas da "You economy", como o Uber e a Lyft, também um aplicativo que conecta motoristas e usuários de carros compartilhados. Recentemente, o governo municipal introduziu um limite para o número total de licenças para motoristas e impôs um salario mínimo. As medidas deverão ser testadas por um ano.
Susan Sly não acha que o crescimento da "You economy" poderá ser impedida por esse tipo de regra. "As pessoas são flexíveis", acredita. "Sempre vão achar um meio e acho que os negócios precisam de menos leis", acrescenta.
"A paisagem está mudando e acho que as empresas realmente precisam acompanhar essa transformação", alerta, ainda, Sly. "Pessoas capazes de ganharem mais dinheiro contribuem mais para a economia e restrições, na minha opinião, são ridículas".
Tampouco o motorista do Uber Sikander Singh se deixa impressionar pelas novas regras da cidade de Nova York. Ele diz que dirigir para o serviço de transporte é uma oportunidade para ganhar um pouco de capital inicial. "Sonho em abrir um posto de gasolina com meu irmão", projeta.
Ele acrescenta que não gosta da ideia de uma rotina de trabalho das 9 da manhã às cinco da tarde. Olhando para as ruas desertas do Queens, às 4h43 da manhã, ele decide encerrar o expediente do dia.
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