Turquia arrisca própria estabilidade ao se envolver em conflito sírio
15 de outubro de 2012A Turquia reforça sua presença militar na fronteira com a Síria. Há vários dias, mais aviões de combate estão sendo estacionados na cidade de Diyarbakir, próxima à fronteira com a Síria. O número de tanques também sobe, e diariamente ocorrem incidentes fronteiriços. As tropas turcas reagem com fogo de artilharia às contínuas explosões de morteiros em solo turco, lançadas do lado da Síria. Não há informação sobre feridos pelas explosões. Mas no dia 3 de outubro, duas mulheres e três crianças foram mortas por bombardeios sírios na cidade fronteiriça turca de Akcakale. Um dia depois, o Parlamento em Ancara concedeu ao governo turco um mandato para intervir militarmente na Síria, se considerar necessário.
A situação se deteriorou ainda mais quando na quarta-feira (10/10) um avião de passageiros da Síria que ia de Moscou para Damasco foi interceptado por caças turcos e obrigado a aterrissar em Ancara. De acordo com o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, foram encontrados a bordo "materiais militares". Enquanto o ministro do Exterior russo, Sergei Lavrov, alegou que o avião estava fazendo uma entrega "totalmente legal" de peças de radar e disse que a empresa russa que enviou as peças para a Síria vai exigir da Turquia o retorno da carga apreendida.
Na sexta-feira, houve mais um incidente. De acordo com oficiais turcos, um avião de caça da Força Aérea turca rechaçou um helicóptero sírio que tinha se aproximado da fronteira.
Beco sem saída
O pouso forçado do avião de passageiros da Síria piorou as relaçções entre Turquia e Rússia. A Rússia apoia as autoridades sírias. Já o primeiro-ministro turco se distanciou muito cedo de Assad. "A Turquia calculou que talvez levasse de dois a três meses até que o regime de Assad caísse", explica Günter Seufert, especialista em Turquia do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, em Berlim. "Mas como não recebeu do Ocidente nenhum apoio expressivo, o país percebeu que estava manobrando para um beco sem saída."
No começo de 2011, quando o presidente sírio, Bashar al Assad, reprimiu por meio da força as inicialmente pacíficas manifestações em seu país, a Turquia rapidamente abriu suas fronteiras aos sírios. E o afluxo de refugiados não para. Só na sexta-feira, de acordo com a agência de notícias turca Anadolu, quase 600 refugiados chegaram no país, incluindo dois generais do exército sírio. Até agora, há 93 mil sírios nos campos de refugiados, e a Turquia não pretende acolher mais de 100 mil.
O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan pede o estabelecimento de uma zona de proteção ao longo da fronteira e de corredores para auxílio humanitário, tendo buscado o apoio de seus aliados ocidentais para resolver a questão. A Otan, por sua vez, salientou novamente sua solidariedade inquebrantável, e confirmou que, se necessário, a Aliança apoiaria a Turquia num conflito contra a Síria ─ mas o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, ressaltou que um pedido de ajuda militar de Ancara conforme os termos do artigo 5º da Carta da Otan é uma possibilidade "hipotética" e que o conflito com Síria só pode ser resolvido politicamente.
Apoio aos rebeldes
Assim, o envio de armamentos a partir do território da Turquia continua a ser o principal apoio para os rebeldes sírios. Os oponentes de Assad do Exército Livre da Síria conseguiram, com isso, colocar sob seu controle uma faixa de fronteira de cerca de 20 quilômetros adentro no lado sírio, incluindo algumas passagens de fronteira com a Turquia. A população dessas áreas deixou a região, o comércio está fechado. Munição e até mesmo pão e água têm que ser buscados na Turquia. Seus feridos são tratados do lado turco, porque as rotas de abastecimento vindas da Síria estão bloqueadas pelas tropas de Assad, segundo relatos de um jornalista turco que prefere não ser identificado.
O centro do abastecimento dos rebeldes com equipamento militar é Antakya, capital da província meridional turca de Hatay. A província pertenceu até 1939 à Síria, então sob domínio francês. De acordo com informações do jornal britânico The Guardian, na cidade se encontram negociantes de armas vindos de Qatar, Arábia Saudita e Líbano. Dali ocorreram, em meados deste ano, os últimos grandes carregamentos de armas para os rebeldes. De lá para cá, o suprimento é suficiente apenas "para resistir, mas não para vencer", afirmou um comandante rebelde citado pelo jornal inglês.
Nesse meio tempo, são grandes os temores de que bazucas, rifles de assalto e munição caiam nas mãos de militantes islâmicos. Por isso, funcionários da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês), dos EUA, controlam a distribuição das armas e já estabeleceram contatos com opositores moderados do regime, segundo o New York Times. Este desenvolvimento preocupa Günter Seufert, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança. "É perturbador que soldados do Exército dos EUA tenham chegado à Jordânia e à Turquia para dar assessoria aos refugiados, mas também estejam realizando treinamento militar." O especialista vê isso como uma possível causa de agravamento do conflito.
A maior parte da opinião pública turca não concorda com a posição de seu primeiro-ministro diante do conflito com a Síria. Pela primeira vez em seus dez anos no cargo, Erdogan tem a maioria dos eleitores contra si. A metade deles tinha votado em seu partido nas eleições parlamentares do ano passado. O AKP deu estabilidade ao país. Desde então, a Turquia goza de altas taxas de crescimento e está entre as 20 maiores economias do mundo. Uma grande parcela da população conseguiu uma modesta prosperidade. Mas os cidadãos turcos temem que a atitude de confronto de Erdogan venha a pôr tudo a perder.
Autora: Gabriele Ohl (md)
Revisão: Francis França