Praça da Paz Celestial
4 de junho de 2009O regime comunista da extinta Alemanha Oriental, conhecida oficialmente como República Democrática Alemã (RDA), não foi capaz de bloquear a recepção do sinal da televisão vindo da Alemanha Ocidental, a não ser nos cantos mais recônditos do país, na fronteira com a Polônia.
Com isso, milhões de pessoas na RDA puderam assistir às agitações do movimento estudantil de um país situado a meio mundo de distância, no outono de 1989. Naquele 4 de junho do mesmo ano, dissidentes alemães viram suas esperanças irem por água abaixo, testemunhando um evento que mudou suas vidas na tela da tevê.
Ativistas chineses favoráveis à democracia lutavam uma batalha perdida contra tanques do governo e que acabou em um massacre sangrento. Ironicamente, o palco dos acontecimentos era a praça Tiananmen, local de protestos desde a fundação da República Popular da China em 1949, que em chinês significa Praça da Paz Celestial.
O confronto, que causou a morte de pelo menos centenas e possivelmente milhares de pessoas – o número é desconhecido até hoje –, teve um significado especial para os cidadãos da Alemanha Oriental. Tratava-se de um alerta de que algo semelhante poderia acontecer também em seu país.
Medo da "Solução Chinesa"
"Também temíamos a possibilidade de uma 'solução chinesa'", disse o pastor Christian Führer, Igreja de São Nicolau, de Leipzig. Aos 66 anos, ele foi um dos principais organizadores das orações pela paz que levaram ao colapso do regime de Honecker em Leipzig na década de 1980.
Lembranças de manifestações reprimidas nos países do Pacto de Varsóvia ainda estavam frescas na memória da geração mais antiga – na Hungria em 1956, em Praga em 1968 e até mesmo a tentativa frustrada de resistência da RDA à dominação militar soviética em 1953, lembrou Führer.
Nos primeiros dias posteriores ao massacre em Tiananmen, o jornal Neues Deutschland, da RDA, apoiou abertamente as ações militares dos líderes chineses. Em 8 de junho, a Câmara do Povo qualificou oficialmente o sangrento massacre em Pequim como "uma derrota das forças contrarrevolucionárias". Em Berlim Oriental, 16 ativistas de direitos civis foram presos por protestar contra o massacre de cidadãos chineses desarmados e, em Leipzig, a polícia interrompeu um festival de música de rua.
A Stasi, polícia política da RDA, chegou a cogitar a possibilidade de retaliação militar em resposta aos protestos em massa que ganharam significado naquele mês em 1989, embora tenha desistido da ideia, segundo comprovam documentos guardados em arquivos abertos posteriormente.
Impacto da Glasnost
A onda de mudanças na ex-Alemanha Oriental era irrefreável. Ao contrário da China, o dissentimento na RDA fazia parte de uma ampla abertura da Cortina de Ferro promovida pela Glasnost e a Perestroika de Mikhail Gorbatchov, fatos que levaram à desintegração da União Soviética na década de 1980.
"A China não fazia parte da órbita soviética da mesma forma que a RDA", explica Gudrun Wacker, especialista em China no Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP) em Berlim. Wacker argumenta que Gorbatchov não desfrutava na China da mesma influência que tinha no Leste Europeu.
Sua visita a Pequim em maio de 1989, a fim de normalizar as relações sino-soviéticas após décadas de animosidade entre as duas potências comunistas, acabou sendo uma humilhação para os líderes chineses, que o receberam pela porta dos fundos, uma vez que a rota planejada pela Praça da Paz Celestial estava tomada por manifestantes, lembra Wacker.
"Os ativistas festejavam Gorbatchov como o grande reformador do socialismo, ele era um herói para eles", disse. Mais uma razão para mantê-lo longe da população, acrescentou.
Papel das igrejas protestantes
A arquiteta Petra-Ute Knauft, que participou ativamente das orações semanais pela paz às segundas-feiras na Igreja de São Nicolau em Leipzig, argumenta que, por pior que fosse o regime de Honecker, os hardliners chineses o superaram em muito.
"O que acontecia na China era crime", opina Knauft, que acompanhara o noticiário da emissora de direitos públicos da Alemanha Ocidental. Tanto que ela nem imaginou que aquilo poderia se repetir na Alemanha Oriental. "A RDA era diferente. Éramos governados por um grupo de alienados envelhecidos. E Gorbatchov provou ser mais poderoso e mais liberal que eles."
As igrejas protestantes se tornaram uma força organizada em prol da virada política na RDA. Apesar de reuniões com fins políticos serem proibidas sob o regime de Honecker, as igrejas possuíam um acordo com o Estado que lhes permitia praticar livremente sua fé. Em meados da década de 1980, a Igreja de São Nicolau havia se tornado um ponto de encontro para cristãos ou não-cristãos em busca de liberdade política na RDA.
Quando a fronteira entre a Hungria e a Áustria neutra foi aberta em 1989, milhares de cidadãos da ex-Alemanha Oriental deixaram o país de forma ostensiva. Outros milhares fugiram para o Ocidente quando foi aberta a fronteira austro-tcheca. Perto do aniversário de 40 anos da RDA, o regime desesperado lutava para conter o êxodo da população, que tomava proporções descontroladas.
Oração decisiva em 9 de outubro
Uma outra oração pela paz ocorreu em 9 de outubro na Igreja de São Nicolau, um dia que o pastor Führer denominou de "o mais decisivo". Milhares de adeptos do movimento chegaram de todos os cantos da RDA a Leipzig. Personalidades locais, como o músico Kurt Masur, regente da orquestra Gewandhaus, apelou para que fosse evitada a violência, considerando que tanto o número de manifestantes quanto de policiais já passava de 70 mil pessoas.
"Não sabíamos se teríamos que enfrentar uma solução como a chinesa naquele dia", disse o pastor posteriormente. "O 9 de outubro foi o ponto da virada para nós", explica, acrescentando que a data foi ofuscada pela queda do Muro de Berlim exatamente um mês mais tarde, dando início a uma cadeia de eventos que levaram à reunificação alemã. "Foi um evento único na história do mundo", disse Führer.
Erich Honecker foi deposto em 18 de novembro. Após as primeiras eleições livres para a 11ª Câmara do Povo em junho de 1990, o apoio oficial à intervenção militar na praça Tiananmen foi retirado. Em vez disso, a Câmara concedeu seu apoio às vítimas chinesas.
Autora: Diana Fong
Revisão: Simone Lopes