Protestos de Leipzig
15 de janeiro de 2009DW-WORLD: Exatamente um mês antes da queda do Muro de Berlim, que se deu em 9 de outubro de 1989, aconteceram em Leipzig as até então maiores manifestações populares espontâneas da Alemanha Oriental, que reuniram 70 mil pessoas – uma multidão, contra a qual o partido SED não podia fazer nada. Como foi possível mobilizar tanta gente?
Christian Führer: Essa é uma pergunta que sempre se repete. Através das orações pela paz, que aconteceram continuamente todas as segundas-feiras, a partir de 1982, na Igreja de São Nicolau, nos tornamos um ponto de encontro de pessoas críticas ao regime e de posições que não podiam ser articuladas na Alemanha Oriental. E isso ficou conhecido. Tivemos um aumento dramático no número de participantes depois do 8 de maio de 1989, quando o Estado bloqueou as ruas de acesso à Igreja de São Nicolau. Eles achavam que, com essa medida de intimidação, o número de pessoas reunidas diminuiria, mas aconteceu exatamente o contrário.
Na missa de outono, no dia 4 de setembro, equipes de televisão do Ocidente tiveram permissão para filmar em toda a cidade. Eles estavam todos parados em frente à igreja quando saímos, e alguns de nós levantaram uma placa com os dizeres "por um país aberto com pessoas livres". Essa placa permaneceu suspensa por talvez 15 segundos, até que funcionários da Stasi a puxaram para baixo. Tudo isso em frente às câmeras de televisão ocidentais. Esse material foi veiculado à noite pelos jornais televisivos, fazendo com que não somente as pessoas na então Alemanha Ocidental soubessem o que estava acontecendo em Leipzig, que ali estavam acontecendo coisas surpreendentes, mas também as pessoas em toda a Alemanha Oriental. Afinal, nós todos assistíamos aos canais ocidentais.
Aí veio o 7 de outubro de 1989, o 40° aniversário da Alemanha Oriental.
Foi quando ocorreram centenas de detenções em frente à Igreja de São Nicolau, em Leipzig. Honecker havia dito pessoalmente: "A Igreja de São Nicolau precisa ser fechada". Os policiais apareceram pela primeira vez com um traje que até então não conhecíamos – com uniformes de combate, cassetetes, cachorros, placas – e espancaram as pessoas durante todo o dia, do meio-dia até a noite. E o jornal noticiava: "Na segunda-feira (9 de outubro) será posto um fim na contrarevolução. Se não for possível de outra forma, com armas na mão". No dia 8 de outubro, médicos vieram participar do culto e disseram que, nos hospitais, tiveram de ser abertos espaços para o tratamento de pessoas feridas com tiros. O dia 9 de outubro chegou acompanhado de um medo terrível.
Como ocorreu então a grande manifestação popular do dia 9 de outubro?
Recebemos entre seis e oito mil pessoas nas igrejas do centro da cidade, mais do que isso não cabia, mas 70 mil pessoas haviam comparecido. Não era possível sair da igreja, todo o pátio ao redor da igreja estava lotado! Todos com velas nas mãos. Velas simbolizam o "não" à violência, pois para segurar uma vela você precisa das duas mãos, senão a vela se apaga. Nessa situação, você não pode ainda segurar uma pedra ou um cassetete. Mais tarde, um membro do comitê central do SED disse, em retrospectiva: "Tínhamos planejado tudo, estávamos preparados para tudo, exceto para velas e orações".
Para uma situação como essa, a polícia não tinha uma ordem de como agir. Se tivessem sido atiradas pedras ou se os manifestantes tivessem atacado os policiais, aí eles teriam uma opção, aí teria acontecido o mesmo de sempre. Mas naquela situação os tanques se retiraram e quando pararam novamente lá em cima, diante do prédio da Orquestra Gewandhaus, sem disparar um tiro, soubemos que a Alemanha Oriental não era mais a mesma. Pressentíamos – mais do que realmente sabíamos – que algo extraordinário havia acontecido. Só mais tarde compreenderíamos de fato o que acontecera.
O senhor sempre defendeu a não-violência, tendo encorajado os manifestantes a não se deixar intimidar pelas Forças Armadas, mesmo quando estas colocaram os tanques nas ruas. De onde o senhor tinha a certeza de que tudo iria se desenrolar de forma pacífica?
Não tínhamos essa certeza de forma alguma. Tínhamos medo dia e noite, mas a fé era sempre maior que o medo. Sabíamos de Jesus Cristo do poder do não à violência e que essa era a única coisa de que dispúnhamos. Pois a partir do momento em que fazemos uso da violência, nos tornamos como o outro lado e aí a bênção de Deus se distancia de nós. Isso eu pude repassar aos jovens nas orações de paz e eles supreendentemente concordaram e se recusaram também a usar a violência.
Presenciamos então – e isso até hoje me toca profundamente – como as massas, nesse país não cristão, sintentizaram a glorificação do Sermão da Montanha de Jesus Cristo em duas palavras: "sem violência". E eles não só gritaram essas palavras pelas ruas como coerentemente praticaram o que anunciavam. Se há algo que merece ser chamado de milagre, foi o que ocorreu ali. Nunca havíamos conseguido levar uma revolução adiante, aquela foi a primeira vez – e sem derramamento de sangue. E o que aconteceu ali foi realmente o primeiro passo.
Isso significa que sem a população de Leipzig não teria havido a revolução pacífica na Alemanha Oriental?
Acho que não. Tínhamos algumas coisas que não existiam em outros lugares: essas orações pela paz regulares, toda semana, durante um longo espaço de tempo. E então um grupo forte de pessoas querendo deixar o país. Essa unidade que havia entre nós, o fato de havermos permanecido juntos sob o teto da igreja, é de fato algo que não ocorreu em outros lugares. E essas pessoas trouxeram então as massas. Veio gente de toda a Alemanha Oriental. No dia 9 de outubro de 1989, vieram 70 mil pessoas não só de Leipzig ou da Saxônia, mas de todas as regiões do país. Na Igreja de São Nicolau estava sentada de forma simbólica toda a Alemanha Oriental. Sem Leipzig não teria existido o 9 de novembro de 1989 e muito menos o 3 de outubro de 1990.
O que sobrou da revolução pacífica na Alemanha Oriental?
Acredito que também hoje precisamos da coragem, da coragem cívica de nos intrometermos, de não somente dizer "eles vão organizar ou de alguma forma vai funcionar", mas sim de assumirmos a responsabilidade sobre nosso país. Nós, alemães, já fizemos sacrifícios nas situações mais absurdas. Agora vale realmente a pena fazer um sacrifício na situação correta, ou seja, se empenhar e enfrentar dificuldades em nome dessa Alemanha unificada, desse país maravilhoso, dessa democracia.
Acho que, nesse sentido, não deveríamos nos ater aos velhos preceitos alemães de reclamar de tudo e sempre pôr defeito em tudo, mas sim dizer: este é o nosso país e queremos também dar forma a essa democracia, que foi duramente conquistada com tanta coragem e sob real risco de vida. Podemos fazer isso através de uma participação ativa nas eleições, pois essa foi, por exemplo, uma das exigências do outono de 1989: eleições livres! Tudo isso temos agora.
O senhor se refere à Alemanha como "um país maravilhoso, uma democracia maravilhosa", mas mesmo assim o senhor criticou severamente o processo de reunificação. O que foi feito de errado, na sua opinião?
Reunificar o país na hora em que foi possível, ou seja, acatando a oferta de Gorbatchov em julho de 1990 no Cáucaso, era algo que realmente tinha que ser feito naquela hora. Mas nós teríamos que ter tido mais tempo para dar forma à essa unificação. Penso aí nas seguintes questões: o 9 e não o 3 de outubro seria a data certa para o feriado nacional. Isso teria fortalecido a autoconfiança das pessoas da ex-Alemanha Oriental e confirmado a importância do papel desempenhado por elas no processo, ou seja, o fato de que aqui no Leste foram criadas, sem ajuda externa, as condições primordiais para a reunificação do país.
A segunda questão: o nome. Esse não poderia ter simplesmente permanecido República Federal da Alemanha (RFA). Para mim, esse é um pedaço da Alemanha de 1949 a 1989. Imagine só se tivéssemos querido que a nova Alemanha se chamasse República Democrática da Alemanha (RDA)! Eles teriam nos considerado a um passo do hospício! Os alemães ocidentais ficaram com a seguinte impressão: o país tem este nome, que permanece do mesmo jeito, incluímos alguns poucos do Leste, reformamos rapidamente a RDA e tudo está perfeito. Na verdade, não é assim.
E por fim o hino: essa canção ficou, devido aos nazistas, apodrecida e suja para todo o sempre. Ela não pode ser o hino nacional. O que o Ocidente, na realidade, recebeu de novo? Os novos códigos postais e algumas placas de carro. E isso já pareceu ser demais para eles! Mas aqui no Leste tudo mudou! Isso não poderia acabar bem. Essas são algumas coisas que tornam o processo da unificação difícil.
Na Igreja de São Nicolau, continuam acontecendo orações pela paz. As pessoas oram, por exemplo, pela África, por uma produção agrícola isenta de transgênicos ou em prol dos alvos da Ação Sühnezeichen [iniciativa que se empenha pela indenização de perseguidos pelo regime nazista, bem como contra o extremismo de direita e o racismo]. Não seria mais eficaz mobilizar as pessoas contra um problema geral do que orar, a cada semana, por algo distinto?
Temos, todo ano, três grandes orações pelo tema desemprego. Em 1992, criamos um grupo de discussão na Igreja de São Nicolau chamado "Esperança para Desempregados". Neste contexto, aconteceram várias manifestações durante semanas a fio. Isso é visto com bons olhos pela população. Contra o neofascismo também está sempre sendo feito algo. Tivemos, por exemplo, um neonazista de Hamburgo, que organizava marchas neonazistas nas ruas de Leipzig em todo 1° de maio e 7 de outubro. E tinha intenção de fazer isso até o ano de 2014. De 2001 até 2007, ele realmente conseguiu fazer.
Nós saímos todo ano da igreja e nos opusemos aos neonazistas, sem uso de violência, obviamente. E conseguimos realmente fazer com que eles desistissem disso a partir de 2007. E também em outras cidades conseguimos provocar movimentos. A pequena cidade de Colditz, na Saxônia, por exemplo, era sempre procurada pelos neonazistas. A cidade estava tomada por medo e pavor. Então dissemos: "precisamos buscar coragem na Igreja". Sob o lema "Uma cidade se levanta", organizamos uma grande manifestação e uma oração de paz. A pastora luterana e as associações locais trabalharam muito e conseguimos dar um sinal claro de "não" aos neonazistas.
E agora os neonazistas sumiram de Colditz?
Eles certamente voltarão, mas se a população não se deixar intimidar já é um grande passo. O que importa é que a população não se deixe aterrorizar por alguns poucos que causam arruaças e despertam a impressão de serem fortes. Estes vivem somente às custas do medo do outro. E este medo tem que ser deixado de lado. O mesmo vale, inclusive, para a questão do desemprego e para tudo o que traz dificuldades para as pessoas. E neste sentido a oração pela paz continua sendo uma possibilidade grandiosa.
Christian Führer foi pastor luterano da Igreja de São Nicolau, de Leipzig, entre 1980 e 2008. Em março de 2008, ele se aposentou.