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EducaçãoBrasil

Projeto do Novo Ensino Médio pode estar fadado ao fracasso

Vinícius de Andrade
Vinícius De Andrade
23 de março de 2023

Iniciativa deve ser acompanhada de investimentos em infraestrutura e formação de docentes. Proposta parece reforçar ideia de que algumas políticas são feitas por quem não conhece realidade de alunos e professores.

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Alunos em plateia de curso preparatório para o Enem
Devido às mudanças no ensino médio, podemos estar próximos de vivenciar a edição mais desigual do EnemFoto: Joacy Souza/PantherMedia/IMAGO

O assunto "o Novo Ensino Médio” tem repercutido bastante nas últimas semanas, e a discussão é válida. Afinal, o que está em jogo é a educação de nosso país.

Antes de mais nada, é importante entendermos que a mudança ainda está em curso e, de acordo com uma portaria do MEC, estamos em um período de "implantação gradativa da Proposta Pedagógica Curricular do Ensino Médio”. Nesse cenário, é natural que tudo ainda esteja confuso.

No entanto, é possível, sim, trazer alguns aspectos sobre como as escolas estão se organizando atualmente. De forma geral e simplista: estudantes do 1° ano do ensino médio já são introduzidos a disciplinas chamadas de Eletivas e a outras como, por exemplo, o famoso "projeto de vida”. A partir do segundo ano, os jovens já têm acesso às trilhas e aos itinerários formativos, e estes, na teoria e na prática também, na maioria das vezes, foram escolhidos pelos mesmos dentro de um conjunto de opções. É importante ressaltar que as opções, devido à falta de estrutura e de recursos, são, em muitos colégios, extremamente limitadas e há casos de nem haver a possibilidade de o estudante escolher as disciplinas que ele quer estudar.

Você pode estar se perguntando, mas o que são os itinerários formativos? Bom, de acordo com o próprio Ministério da Educação (MEC): "São o conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que os estudantes poderão escolher no ensino médio".

Matéricas com carga reduzida são cobradas no Enem

O cronograma previsto pelo MEC propõe que o novo modelo atinja o último ano do ensino médio de todo o país até 2024. No entanto, em muitos dos estados, o último ano já foi alcançado, e estes alunos, os formandos, já podem não estar tendo mais todas as disciplinas. No entanto, matemática e português, com carga reduzida, são disciplinas que continuam tendo, ou seja, é possível que um estudante do último ano do Ensino Médio não tenha aulas sobre química, física, geografia, filosofia, história e sociologia; e, sim, estas ainda serão cobradas no Enem deste ano.

O cenário acima descreve, de forma simplista, o quadro nacional. Com isso, faremos agora uma análise geral sobre os pontos que estão incomodando os principais agentes da educação pública brasileira, os professores e os estudantes.

Na perspectiva do primeiro grupo, um dos maiores problemas é a consequência da redução da carga horária das disciplinas da base comum em suas jornadas profissionais. Para complementar a carga, estão precisando assumir diversos itinerários, mas o problema é que há pouco suporte e nenhuma capacitação oficial. Dessa forma, muitos estão perdidos e com dificuldades para oferecerem conteúdos com qualidade e de forma inovadora, como o previsto, para os estudantes.

Falta treinamento aos professores

Sobre isso, Walter Fernandes da Silva Jr, professor de matemática na rede pública estadual de São Paulo, comenta: "Não fomos treinados. Há disciplinas que requerem um designer de jogos ou um programador. É difícil um professor com esse tipo de formação. Há disciplinas que são muito difíceis de lecionar sem o treinamento necessário e outras que são totalmente irrelevantes”.

Nesse momento do texto, antes que alguém comece a pensar: "Ah, mas os professores são acomodados e não querem mudanças. Algo precisava mudar, pois o modelo anterior não preparava os jovens para a vida”, eu preciso pedir, por favor, que você tome cuidado com as generalizações.

Os bons professores (acredite: ainda são muitos) sempre estão abertos a mudanças, especialmente quando elas trarão melhorias no ensino para os estudantes. O problema é que a maioria não se sentiu consultada sobre o planejamento do Novo Ensino Médio, e boa parte acredita que as melhorias poderiam, por exemplo, ter sido no sentido de uma reorganização dos conteúdos. Faz, sim, sentido a fala de que os estudantes tinham acesso a uma grande quantidade de conteúdos. No entanto, a solução não precisaria estar, necessariamente, em tirar a carga ou, como será o caso dos 3° anos, possivelmente disciplinas inteiras.

Segundo o professor Walter: "Se eu fosse consultado, o que eu iria sugerir? Em matemática, havia muitos conteúdos que eu achava irrelevantes e muito específicos, como números complexos. Poderia, por exemplo, tirar conteúdos como esse e acrescentar matemática financeira ou aplicações da matemática na ciência política. No modelo atual, tive muita carga reduzida. Para fechar minha carga horária, precisei pegar vários itinerários e todos em uma sala só. Estou dando 16 aulas na mesma turma por semana. É muita coisa. A discrepância de formação por turmas, devido aos itinerários, é gritante”.

Disciplinas impostas

Em história, por exemplo, é possível que um estudante conclua a formação básica escolar sem ter visto nada sobre o Brasil República e a ditadura militar. Isso é mesmo um avanço? A quem está beneficiando? Vale a reflexão.

Otacilio é diretor em um colégio público de referência na cidade de Fortaleza. Segundo ele: "A principal resistência é pelo fato de não atender ao que se propunha na reforma inicial: uma organização curricular mais moderna e menos densa, sem perder os conhecimentos das diversas áreas e disciplinas. Alguns estudos apontam que foram criadas mais de 1.500 disciplinas no país afora. Leva-se em conta que essas disciplinas foram impostas aos professores para manterem suas cargas horárias, independente se eles dominassem ou não essa "nova" disciplina, quer fosse eletiva, quer fosse "trilha de aprofundamento de estudos”.

Ele complementa: "Um outro aspecto que gerou muita insatisfação dos professores foi a mudança na seleção dos livros do PNLD. Pela primeira vez, os livros da escola pública passaram a ser diferentes dos livros publicados pelas editoras para o consumo geral. A avaliação é que os livros são superficiais e deixam a desejar na exploração de temas e assuntos. Muitas vezes há total ausência de temas importantes”.

Boa parte do marketing em relação ao novo modelo de ensino se sustenta nos benefícios que as mudanças trariam aos estudantes. Dessa forma, fiz questão de consultar alguns. Tive a oportunidade de falar com cerca de 20 das mais diversas regiões do país.

Alunos não estão gostando

Não posso falar por todos os estudantes da rede pública brasileira, mas entre os que conversei é um consenso: eles não estão gostando.

Os do último ano do médio estão se sentindo extremamente despreparados para o Enem. Procurei a assessoria do INEP para saber se o exame deste ano ainda será de conhecimentos gerais, e a resposta foi que sim, ou seja: podemos estar próximos de vivenciar a edição mais desigual de todas do maior vestibular de nosso país. Por qual razão? Estudantes da rede pública do último ano do ensino médio podem já não ter mais aulas de todas as disciplinas. Por outro lado, os da rede privada continuam tendo.

Além disso, os estudantes não estão se sentindo, como a reforma previa, protagonistas do próprio destino. A maioria citou que os itinerários simplesmente não estão os atraindo. A percepção "mais do mesmo” foi citada diversas vezes. É como se todas as disciplinas, embora tenham nomes diferentes e inovadores, fossem exatamente a mesma coisa. Parece que o efeito, pelo menos nesse início e na fase de transição, tem sido justamente o contrário do previsto: a escola está ficando mais tediosa e mais cheia de conteúdos e aulas. A mudança é que essas novas aulas, diferentes das anteriores, são, muitas vezes, rasas, e os alunos estão solidários com a dificuldade de seus professores em lecionar sobre algo sem terem recebido a devida capacitação.

Professores e alunos devem ser ouvidos

Minha intenção aqui não é falar que o Novo Ensino Médio simplesmente está falido e não deu certo. Consigo, sim, entender todos os desafios dessa fase de transição. No entanto, sua proposta reforça um pouco a ideia de que algumas políticas são realizadas por quem nunca pisou em um colégio público e por quem não conhece a realidade dos estudantes e professores brasileiros. Não duvido que tenham consultado alguns agentes durante o processo de construção. Talvez apenas tenham falhado no tamanho e na aleatoriedade da amostra. É um projeto ambicioso e, a menos que venha acompanhado de um grande investimento em infraestrutura e na formação do corpo docente, poderá, sim, estar fadado ao fracasso.

Caras senhoras e senhores por trás desse grande projeto, por favor, escutem agora, antes tarde do que nunca, aqueles que melhor podem falar sobre o assunto: nossos professores e estudantes. Por favor, não subestimem o quanto eles, sim, podem ajudar na construção das melhorias da educação que vocês dizem tanto almejar.

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.