"Polícia militar não serve para combater crime"
4 de agosto de 2014O Exército da Costa Rica foi dissolvido em 1948 pelo então presidente, José Figueres Ferrer. Ele considerava suficiente para a segurança nacional ter um bom corpo policial. Sem armas de alto calibre e sem treinamento militar, o país de cerca de 4 milhões de habitantes é considerado um dos mais seguros da América Latina.
Decano da Universidade da Paz da Costa Rica, instituição vinculada às Nações Unidas, Francisco Jose Aguilar Urbina argumenta que a formação militar impede a aproximação das polícias com a comunidade e cria a ideia de uma sociedade inimiga.
O ex-presidente do Comitê de Direitos Humanos da ONU defende que a polícia brasileira complete o processo de redemocratização ainda em curso no país e ganhe um caráter civil. "A consequência será visível: a polícia vai atuar com a população e não contra ela", garante.
DW: Como se estrutura a segurança pública na Costa Rica?
Francisco Jose Aguilar Urbina: A polícia da Costa Rica é um órgão subordinado ao Ministério de Segurança Pública. É uma polícia nacional que tem suas especializações, como a força policial de controle de drogas e a polícia turística. A polícia investigativa não depende do Poder Executivo. Ela está vinculada à Corte Suprema de Justiça. Todas as polícias do país têm um caráter civil. No arsenal, não há armas de grosso calibre, nem tanques, nem canhões. É uma polícia com treinamento civil.
O treinamento tem foco na formação em direitos humanos e em cidadania?
É parte essencial da educação de um policial não apenas na Costa Rica, mas em qualquer país que tenha uma polícia não militarizada.
O modelo tem dado certo?
A Costa Rica é um dos países mais seguros da América Latina. Acredito que a pergunta deva ser feita ao contrário: uma polícia militarizada serve para combater o crime? E a resposta, invariavelmente, é não.
Por quais motivos?
O treinamento militar e o treinamento policial são essencialmente distintos. O treinamento militar consiste em eliminar um inimigo muito bem definido. Já o treinamento policial serve para prevenir a delinquência e proteger a população de atos criminosos comuns. O soldado não está treinado para isso. Um policial deveria estar treinado para ajudar a prevenir delitos, e basear suas ações na cidadania.
No Brasil, se discute a proposta de desmilitarização das polícias e a independência da corporação do Exército. É um caminho?
Uma das desgraças que temos na América Latina é o fato de que muitas polícias são heranças da ditadura. Elas seguem uma lógica militar, não uma lógica civil. Fico contente por o Brasil estar refletindo sobre esse tema. A consequência será visível: a polícia vai atuar com a população e não contra a população. Os policiais verão a população como uma parceira ativa na prevenção de delitos e não como inimiga ou um potencial a ser suprimido.
Qual seria a melhor forma de implementar esse modelo?
Na Costa Rica, a polícia é centralizada, apesar de haver unidades policiais municipais relativamente pequenas. Temos que considerar que a população da Costa Rica é apenas um terço da população de São Paulo. No Brasil, provavelmente, funcione melhor um sistema de polícia descentralizado, com polícias municipais e estatais. Eu acredito que possa haver uma coordenação entre todas sem que sejam necessariamente centralizadas. Um exemplo é a polícia dos Estados Unidos. À exceção do FBI, uma polícia muito especializada de investigação, o sistema de segurança se baseia em polícias locais. É um exemplo que o Brasil pode seguir.
E a proximidade com a população?
Para mim, isso é essencial. Nesses dias vi dois policiais fazendo uma ronda, comecei a conversar e eles perguntaram se eu poderia lhes dar um copo de água. Eu levei e conversamos tranquilamente. Posso dar outro exemplo: uma amiga hondurenha e eu fazíamos uma investigação na Costa Rica e seguimos caminhando com alguns policiais. Ela não entendia como era possível conversar com eles daquela forma descontraída. Mas, para mim, o que não é normal é ver policiais com metralhadoras de alto poder de fogo em Tegucigalpa [capital de Honduras], uma das cidades mais perigosas do mundo. E o interessante é isso: comparar os índices de criminalidade de Tegucigalpa e San José [capital da Costa Rica]. Esse é um bom exemplo para que se entenda a necessidade de uma polícia civil, e não de uma polícia militarizada.