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Um debate em torno de crenças e não de argumentos

Ines Pohl
Ines Pohl
5 de novembro de 2018

Quando a busca pela verdade e os fatos não são mais importantes, e a mentira é minimizada, o que está em risco é a democracia. Esse é, desde já, o legado de Donald Trump, opina a editora-chefe Ines Pohl.

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Trump participa de campanha eleitoral para candidato republicano ao Senado no estado de Montana
Trump participa de campanha eleitoral para candidato republicano ao Senado no estado de MontanaFoto: Reuters/C. Barria

Existem algumas apostas que você não quer mesmo ganhar. Depois de passar um ano viajando intensamente pelos EUA como repórter, meu palpite sobre quem venceria a eleição presidencial de 2016 era consideravelmente diferente da opinião dominante. Na época, estava claro para mim que Donald Trump tinha uma boa chance de se mudar para a Casa Branca. Ele se mudou, e eu ganhei uma garrafa de uísque.

Agora, dois anos depois, os americanos vão novamente às urnas nesta terça-feira (06/11). Não se trata, desta vez, da eleição para presidente, mas para a Câmara dos Representantes e para o Senado. Mas nos EUA de Trump não há nada no cenário político que não tenha que ver com ele.

Assim sendo, ele participou de forma intensa da campanha eleitoral, e de forma ainda mais intensa trabalhou, nas últimas semanas, em seu jogo de dividir o mundo entre quem está do lado dele e quem está contra – por exemplo ao enviar, para a fronteira com o México, mais soldados do que há em todo o Iraque.

Este presidente facilita as coisas para os seus oponentes. Seu estilo desajeitado e agressivo, seus exageros e suas mentiras sempre provocam, e seus alvos dificilmente deixam um ataque presidencial sem resposta.

Isso, por sua vez, mantém Trump em evidência e impede que os democratas finalmente se concentrem em si mesmos e em reformular seu pessoal e seu programa. Sempre que se irritam com um tuíte de Trump, eles deixam de construir um candidato com carisma e conteúdo que possa, daqui a dois anos, impedir a reeleição de Trump.

Isso é particularmente perigoso num sistema bipartidário, polarizado por definição, e que não depende de coalizões, que sempre exigem um certo grau de compromisso. É também prejudicial para a democracia quando os campos estão tão polarizados e um lado não tenha mais capacidade de ouvir o outro – e até mesmo admitir que o oponente possa estar certo.

Mas o legado mais significativo que Trump deixará para seu país é a destruição de sua capacidade de debater com argumentos – e não com crenças. Isto o mestre das mensagens no Twitter e do recrudescimento conseguiu: as pessoas querem acreditar no que ele diz. Elas querem acreditar que Trump ajudará seu país a recuperar a grandeza perdida. E querem acreditar que um presidente forte não as deixará sozinhas diante dos desafios deste mundo complexo e globalizado e que resolverá todos os problemas.

Acreditar em algo não é algo. Os fatos e uma clara distinção entre verdade e mentira perdem cada vez mais a importância: essa é a amarga verdade após um ano de campanha eleitoral de Trump e dois anos de sua presidência.

Quando a bolha formada pelo Facebook ou pela emissora Fox News for destruída e até o maior dos apoiadores for obrigado a reconhecer que Trump simplesmente mentiu, isso já não terá mais nenhuma importância – porque os fatos já não serão mais importantes, e esse é o verdadeiro problema dos EUA hoje.

Se a busca pela verdade e a importância dos fatos não desempenharem mais nenhum papel, e a mentira for minimizada como um ato de menor gravidade, então a formação democrática de opinião não é mais possível. Ao fim, isso significa nada menos que as bases de nossa compreensão de Estado e democracia estão minadas e os oautocratas não apenas podem assumir o poder, como também assegurá-lo por muito tempo.

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Ines Pohl
Ines Pohl Chefe da sucursal da DW em Washington.@inespohl