Há muito se sabia que o procurador-geral Jeff Sessions, muito criticado e rotineiramente ridicularizado por Donald Trump, seria afastado logo após as eleições de meio de mandato. Mas a decisão do presidente de demitir Sessions menos de um dia após a votação em que os democratas retomaram o controle da Câmara dos Representantes vem, se não como um choque, pelo menos como uma pequena surpresa, mesmo para escaldados observadores de Trump.
No entanto, não deveria ser assim. Primeiro, eliminando Session, juntamente com todos os outros que, ainda atordoados, tentam entender o que aconteceu nas eleições de meio de mandato, Trump abre um novo campo de batalha política e desvia a atenção das eleições e da diminuição de poder dos republicanos no Congresso. Segundo, ao demitir Sessions de forma rápida e ousada, Trump mais uma vez faz o mundo orbitar em torno dele – algo típico de um homem que detesta não ser o centro das atenções. Terceiro, ao se livrar de Sessions, Trump sai de sua postura defensiva após a eleição, tática que usa quando se sente pressionado.
Para compreender quão ousada, se não imprudente, é a ação de Trump, é importante entender que demitir Sessions foi uma das poucas coisas que tanto os congressistas democratas quanto congressistas-chave republicanos repetidamente recomendaram o presidente a não fazer. Como ex-senador, Sessions ainda tem muitos amigos no Congresso, incluindo o influente senador republicano e novo amigo de Trump Lindsay Graham, que pressionou o presidente a não demitir o procurador-geral. Apesar de seus muitos defeitos, Sessions também era visto por muitos legisladores como a melhor garantia de que a investigação sobre a suposta interferência russa nas eleições, realizada pelo procurador especial Robert Mueller, seria conduzida sem impedimentos vindos da Casa Branca.
Sessions havia se recusado a supervisionar a investigação por causa de seu envolvimento pessoal no assunto, passando a tarefa para seu vice, Rod Rosenstein. Mais do que isso, Sessions repetidamente deixou claro que ele não interferiria no processo e que ele também não demitiria nem realocaria Rosenstein.
A recusa de Sessions de afastar Rosenstein ou enfraquecer a investigação de Mueller foi naturalmente considerada uma afronta pessoal por um presidente que tem pouco interesse ou paciência pelo Estado de Direito. Trump vê tudo como um perigo potencial, e, por isso, sempre esteve claro que Sessions tinha que sair e que Rosenstein provavelmente terá que segui-lo em breve.
Mas ainda não chegamos a esse ponto. É claro que é uma clara prerrogativa de um presidente dispensar seu procurador-geral. Trump obviamente sabe disso e parece apostar que demitir só Sessions não irá desencadear indignação bipartidária suficiente para colocá-lo em risco. Ele pode estar certo. Mas o fato de o sucessor interino de Sessions, Matthew Whittaker, já ter expressado fortes dúvidas sobre a investigação de Mueller e especulado sobre como dificultar e desacelerar a investigação é alarmante – e, provavelmente, a razão pela qual Trump o escolheu.
As reflexões prévias de Whittaker sobre como minar a investigação de Mueller e limitar suas finanças – visões amplamente compartilhadas por outros no círculo de Trump – podem sugerir qual seria a estratégia da Casa Branca. Em vez de ordenar a Whittaker que demita logo Rosenstein e acabe com a investigação, o que provavelmente desencadearia processos de impeachment, Trump pode querer que Whittaker enfraqueça a investigação de Mueller financeira e estruturalmente e espere que ele possa escapar impune.
Democratas e republicanos não podem deixar que isso aconteça. Trump, no primeiro dia após as eleições de meio de mandato, acaba de lançar o maior desafio imaginável para os legisladores do Congresso. É essencial para a democracia e o Estado de Direito que eles respondam a isso rápida e decisivamente.
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