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O maravilhoso mundo dos cogumelos

22 de outubro de 2022

Eles inspiram xamãs, integram lendas e contos de fadas e são indispensáveis na pizza funghi. A relação entre cogumelos e seres humanos é um tanto especial.

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Dois cogumelos
Foto: ImageBROKER/picture-alliance

No outono, eles voltam a brotar: nos campos, nas florestas, em troncos de árvores em decomposição ou nos excrementos malcheirosos, os cogumelos despertam à vida. Em muitos lugares, pessoas vagam com suas cestas em busca de exemplares comestíveis. Esses locais costumam ser mantidos em segredo, a fim de evitar concorrência. Mas os cogumelos são muito mais do que uma satisfação para o paladar. Há milhares de anos, eles têm inspirado a imaginação dos seres humanos.

Cogumelos como comida dos deuses

Alguns cogumelos têm um sabor simplesmente delicioso, enquanto outros causam um estado de êxtase espiritual após o consumo. Aparentemente, esses efeitos da expansão da mente já haviam sido descobertos por seres humanos primitivos, pois diversas representações de cogumelos podem ser encontradas em pinturas rupestres e cavernas.

Para os egípcios, os cogumelos eram o "alimento dos deuses". Eles acreditavam que o fato de consumi-los prolongaria a vida – ou até os tornaria imortais. Os gregos consumiam o fungo esporão-do-centeio durante certas cerimônias e relatavam visões e aparições fantasmagóricas.

A imagem mostra o cogumelo Amanita muscaria, que tem o tronco branco e a cabeça vermelha, com manchas brancas.
O venenoso cogumelo Amanita muscariaFoto: Wolfgang Kumm/dpa/picture alliance

O culto do cogumelo dos maias e astecas

Os maias e os astecas também entravam em transe por meio de cogumelos alucinógenos. O último líder asteca, Montezuma 2º, teria consumido grandes quantidades de Teonanacatl [carne dos deuses]. O missionário espanhol Bernardino de Sahagún esteve em uma reunião de indígenas e registrou: "Eles comeram cogumelo junto com mel. Assim que os cogumelos começaram a fazer efeito, eles dançavam e choravam… Alguns, em suas visões, observaram como haviam morrido na guerra. Outros, como prosperaram. E outros, como cometerem adultério e depois foram apedrejados e tiveram seus crânios esmagados".

Enquanto Sahagún registrava minuciosamente os costumes dos nativos – sua obra contemporânea sobre a vida e a cultura dos astecas foi declarada Patrimônio Mundial pela Unesco em 2015 –, outros missionários viam o culto aos cogumelos como uma ameaça à doutrina cristã. Para eles, o diabo se manifestava a partir dos cogumelos, e os rituais foram proibidos. A "transgressão" passou a ser severamente punida pelos conquistadores.

O cogumelo na Idade Média

No Velho Mundo, a Europa, as pessoas não estavam tão dispostas a ingerir cogumelos. Com cores e formas estranhas, cresciam imperceptíveis. Em suma, eram assustadores para as pessoas, algo evidenciado em seus nomes: cogumelo do diabo, cogumelo das bruxas ou cogumelo de satã. Portanto, não é de se admirar que, na Idade Média, havia a suspeita de que os cogumelos fossem ferramentas utilizadas por bruxas e feiticeiros.

Especialmente os chamados anéis de bruxa – uma forma circular de propagação de vários cogumelos no solo – assustavam as pessoas. Acreditava-se que as bruxas se reuniam nesses locais para dançar na Noite de Santa Valburga – data associada a ritos pagãos pela chegada da primavera na Europa – e, por isso, pensava-se ser obra do diabo.

Assim, evitava-se colocar os pés no círculo de cogumelos para não se expor à magia dos espíritos malignos. Nem mesmo uma vaca deveria pastar no lugar, pois acreditava-se que não daria bom leite. Hoje, sabe-se que os anéis de bruxa são um grupo de cogumelos formados por um tecido esponjoso e que crescem juntos, formando um círculo.

A imagem mostra um gnomo sentado sobre um cogumelo vermelho e branco, com bolas voando ao redor deles.
Cogumelos costumam integrar diversos contos e lendasFoto: akg-images/picture alliance

O cogumelo nos contos de fadas

Alguns séculos depois, em lendas e contos de fadas, os cogumelos servem frequentemente como moradia de anões ou fadas. Há o conto do rei dos cogumelos, que concede sua filha mais jovem como esposa para o filho de um rei; de gnomos-cogumelos que vivem na floresta; ou do pequeno cogumelo que se torna amigo de uma árvore e, com ela, compartilha tudo fraternalmente.

O mais antigo conto alemão conhecido que retrata cogumelos é de 1870 e dá aos jovens leitores e leitoras um importante conselho: "Pensem bem, queridas meninas e meninos: quando encontrarem essas coisas bonitas e frágeis nas florestas, não estraguem os lindos cogumelos simplesmente pelo desejo de destruí-los… Eles também receberam dele (Deus) a vida e a alegria de sua curta existência".

Cogumelos transformavam vikings em "berserkir"

Os vikings eram guerreiros temidos. Ainda mais notórios, eram os chamados "berserkir", guerreiros nórdicos ferozes, combatentes que eram verdadeiros sanguinários nas batalhas. Nem mesmo os amigos estavam a salvo deles. Às vezes, uivavam como lobos, e seus corpos estremeciam. Na Grande Enciclopédia Norueguesa, é possível ler que os "'berserkir' mordiam seus escudos, comiam brasas e caminhavam sobre o fogo".

Durante muito tempo, acreditou-se que o consumo de cogumelos venenosos – como o da espécie Amanita muscaria, conhecido como "mata-moscas" – deixava os homens nesse estado. Nas crônicas medievais, porém, diz-se que antes das batalhas eles possivelmente recorriam ao cogumelo alucinógeno Psilocybe semilanceata – ou "fleinsopp", em norueguês.

Se tivessem ingerido o tipo venenoso "mata-moscas" em grande quantidade, provavelmente cairiam mortos ante o inimigo. Mesmo assim, o "mata-moscas" desempenhou um papel importante entre os nórdicos: segundo a tradição germânica, os vikings enriqueciam seu hidromel com esse cogumelo.

Turismo de cogumelo no México

A partir do final dos anos 1950, os cogumelos alucinógenos viveram uma renascença. Apesar das proibições impostas pelos conquistadores, descendentes de astecas e maias mantiveram vivo o culto aos cogumelos. Em 1955, o pesquisador americano Gordon Wasson se tornou o primeiro forasteiro autorizado a participar de uma cerimônia sagrada na região montanhosa de Mixteca, no México. A xamã María Sabina, do povo indígena dos mazatecas, liderou a chamada "velada" [uma vigília noturna]. Quando Wasson publicou o artigo "Seeking the Magic Mushroom" ["Em busca do cogumelo mágico"] na revista Life, em 1957, no qual ele descreveu os efeitos do Teonanacatl, iniciou-se uma verdadeira corrida à vila natal de Sabina, Huautla.

Não somente cientistas foram até a região. Hippies também fizeram uma peregrinação no México. Dizem, inclusive, que estrelas da música, como Bob Dylan, John Lennon e Mick Jagger estiveram no local – bem mais interessados nos "cogumelos mágicos" do que nos cânticos da curandeira.

O turismo contínuo de cogumelos não trouxe prosperidade à xamã. Muitos estrangeiros perderam o controle e o respeito pelos locais em meio aos efeitos alucinógenos. Indignados pelo fato de um ritual sagrado ter se transformado em atração turística, os indígenas ficaram furiosos e, como consequência, expulsaram Maria da comunidade e atearam fogo na sua casa. Para piorar a situação, a polícia acusou a xamã de tráfico de drogas, e ela ficou presa por um breve período. Posteriormente, acabou ganhando dinheiro ao palestrar sobre o ritual com cogumelos.

Cogumelos na atualidade

Nos Estados Unidos, o consumo de cogumelos foi proibido em 1969. Outros países também implementaram a proibição. Por isso, também não podiam mais ser pesquisados para fins medicinais. E hoje? Em alguns países, como na Holanda, "cogumelos mágicos" podem ser comprados legalmente em lojas e também na internet, onde o comércio do produto tem crescido. O cogumelo, que um dia serviu para abrir as portas aos deuses, há tempo virou uma droga utilizada em festas.

Muitos tipos, no entanto, são simplesmente uma iguaria culinária que pode encantar tanto quanto os seus parentes alucinógenos – e não apenas em pizzas.