"Enviarei hoje o link de inscrição para o simulado, e ela poderá ser realizada, através do formulário que enviarei aqui às 14h, até domingo, 16/7."
Estar à frente de uma ação social de educação me faz ter contato com milhares de jovens da rede pública, universitários e graduados de todo o país. Lembro saudosamente de quando uma mensagem como a que comecei esta coluna era interpretada por todos. Hoje, logo após o envio, é seguro esperar respostas como: "Enviará o link que horas?", "Como se inscrever?" e "Até que dia posso fazer a inscrição mesmo?"
Na verdade, sempre houve uma certa desatenção entre os estudantes. Mas o que me preocupa é que vejo, diante dos meus olhos, essa desatenção aumentar exponencialmente. E chegou ao ponto de também atingir nosso time voluntário, que é composto integralmente por discentes e graduados das melhores universidades do país.
No final do ano passado, eles precisaram preencher um formulário de feedback. Foi o único do ano, e tomei a liberdade de criar um que levasse mais de dois minutos para ser respondido. Lembro-me de um estudante de ciências sociais que respondeu a todas as perguntas de forma ríspida, com frases como: "Exemplo de pergunta redundante e desnecessária".
Decidi abordá-lo para entender a razão, e a resposta me chocou: "Ah, é que eu ia responder quando entrei no carro e só tinha dois minutos. Hoje em dia, os formulários precisam ser respondidos em dois minutos ou menos". Ou seja, ele nem leu as perguntas. Ele, estudante de um curso que, embora não seja o meu, sei que requer leitura.
Manutenção das desigualdades
Entendo que estamos cada vez mais vivendo rotinas corridas e que, infelizmente, já não temos tanto tempo assim para a leitura, mas sejamos honestos: no Brasil, até mesmo devido à forma desigual com que nossa nação foi construída, a leitura e a educação nunca foram verdadeiramente democratizadas.
Essa é a base da minha preocupação. Sinto que aqui as coisas não são separadas e vou explicar o que quero dizer: talvez em outro país, toda essa onda de otimizar a comunicação, colocando limites para a "retenção da atenção", tenha apenas o efeito de facilitar a vida das pessoas. Aqui não é o caso. Noto claramente como esse discurso de que "hoje em dia as orientações e vídeos precisam ser lidos e assistidos em até um ou dois minutos" reforça a manutenção do hábito de não leitura, da não atenção e, naturalmente, para a manutenção das nossas desigualdades.
Podemos, sim, assumir o compromisso de, sempre que possível, tentar nos comunicar de forma mais objetiva, mas não devemos assumir o compromisso de toda a comunicação ser de apenas um parágrafo e repleta de emojis. Ainda será necessário, às vezes, lermos conteúdos mais densos, e nem estou me referindo a grandes clássicos, mas sim a importantes trivialidades como editais e contratos de trabalho.
"Desintoxicar" de celulares e computadores
Me vi agindo da mesma forma que uma professora que tive e que um dia julguei: quando alguém pergunta algo que já foi avisado ou que está disponível no drive ou portal, eu respondo algo como: "Essa info você encontra na pasta X" ou "Ah, isso foi enviado ontem no grupo. Dá uma lidinha lá".
Sei que sou interpretado como chato. Na verdade eu sei que sou chato e sei que, muitas vezes, as pessoas estão sim na correria. Eu preciso ainda encontrar o tom certo para abordá-las sobre isso. Mas, em minha defesa, vejo isso acontecendo numa escala tão grande e piorando de forma tão drástica que me preocupa muito.
No ano passado, tive aula com uma professora na USP, cientista social, que não permitia celulares ou computadores em suas aulas. Ela dizia ser uma oportunidade de a gente se "desintoxicar". Eu não sou perfeito e nem estou imune a essa onda de desatenção. Muitas das reprovações que tive na universidade foi simplesmente por falta de atenção na aula e por destiná-la quase que integralmente ao celular. No ano passado, inclusive incentivado por essa querida professora, assumi uma postura de guardar em todas as aulas o celular na mochila e, pasmem, foi o ano em que fui aprovado em todas as matérias e caminhei para a tão sonhada obtenção do diploma, ainda que de forma tardia.
Ela tinha a teoria pessoal de que caminhamos para um cenário em que o cérebro humano corre o risco de atrofiar. Sei que soa catastrófico demais, mas não acho algo 100% improvável. Infelizmente.
Empresas e influencers reforçam problema
Todo esse cenário me deixa tão bravo. Primeiramente, com as empresas de tecnologia por trás das famosas redes sociais. Sei que pode ser ingenuidade minha, mas eu gostaria muito que também se preocupassem com isso e pensassem em políticas que lutassem contra essa onda. Em vez disso, o que fazem é colocar energia nos famosos "vídeos curtos" que só reforçam o problema.
Fico bravo também com as pessoas de influência que assumem o discurso de "hoje em dia tudo precisa ser rápido e lido/visto em menos de um minuto". Tudo mesmo? Será que é realmente necessário?
Por fim, fico triste com nossos alunos, voluntários e com todas as pessoas que estão perdendo o hábito de ler. Não com eles, mas sim por eles. São estudantes, universitários e graduados e, para mim, são o futuro do país, mas como esperar essa postura política e cidadã ativa em um universo que simplesmente não estão habituados ou dispostos a ler?
Temo que não seja possível a jornada rumo ao Brasil igualitário de nossos sonhos em um cenário em que os agentes dessa construção simplesmente não conseguem fazer leituras de textos que levem mais do que dois minutos. Como irão contra-argumentar? Como irão questionar as políticas públicas? Como entenderão os próprios direitos? Como assumirão o papel de cidadãos?
Não vou mentir. Fico apavorado e quero terminar com a provocação: a quem isso está servindo?
________
Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.