Menina símbolo do terremoto no México nunca existiu
22 de setembro de 2017Hora após hora, mexicanos acompanharam os esforços dramáticos para resgatar uma jovem soterrada nos escombros de uma escola primária destruída pelo terremoto de magnitude 7,1. Relatos afirmavam que ela mexeu os dedos, disse aos socorristas seu nome e que havia outras crianças presas perto dela. O drama nacional em torno de Frida Sofia atraiu a atenção midiática e concentrou os esforços de resgate. A menina, no entanto, nunca existiu.
A Marinha do México desmentiu na quinta-feira (21/09) a existência de uma menor identificada como Frida Sofia entre os escombros da escola Enrique Rébsamen. Numa breve mensagem a dezenas de jornalistas reunidos no colégio no sul da Cidade do México, o subsecretário da Marinha, Angel Enrique Sarmiento, disse que as equipes que trabalham no local têm certeza de que "não foi uma realidade" a existência da criança.
"Queremos enfatizar que não temos conhecimento sobre o relato que surgiu com o nome de uma menina", afirmou. "Nunca tivemos nenhum conhecimento sobre esse relato e acreditamos – temos certeza – que não foi realidade".
Sarmiento explicou que uma câmera colocada entre os escombros da escola Enrique Rébsamen mostrou rastros de sangue por onde pessoas machucadas aparentemente se arrastaram e que a única pessoa ainda listada como desaparecida era um empregado da escola. Ele salientou que eram apenas traços sanguíneos – sem dedos mexendo, sem voz, sem nome.
Várias pessoas mortas foram removidas dos escombros e poderiam ter sido seus dedos que socorristas acharam terem visto mexendo. As secretarias de Educação, de Defesa, o distrito de Tlalpan – onde fica a escola – e a Marinha fizeram uma contagem com a direção da escola e deram certeza de que "todas as crianças morreram, estão nos hospitais ou a salvo em suas casas". Posteriormente Sarmiento se desculpou por ter sido tão categórico em seu comunicado. "Enquanto houver a menor possibilidade de alguém vivo, continuaremos buscando com a mesma energia."
O insólito da história de Frida é que nas últimas horas não apenas funcionários de primeiro escalão da Marinha se referiram a ela, mas o próprio secretário de Educação, Aurelio Nuño, disse na quinta-feira que os pais da menina não estavam nas imediações da escola. O oficial maior da Secretaria da Marinha, almirante José Luis Vergara, deu na quarta-feira detalhes de onde a menor se encontrava e da estratégia para chegar até ela.
Telespectadores de todo o país ficaram antenados na cobertura do drama pela única emissora autorizada a entrar no perímetro da escola desabada. Outros veículos de comunicação ficaram à mercê de relatos de socorristas e voluntários na saída do local. As notícias sobre a garota presa levaram a doações de guindastes, vigas de sustentação e ferramentas elétricas.
Os pedidos de ajuda foram rapidamente atendidos com base na urgência de resgatar crianças. Não está claro se a concentração dos trabalhos de resgate na escola afetaram outras operações simultâneas nos diversos outros locais abalados pelo terremoto na capital mexicana.
Fato é que, apesar de toda a tecnologia trazida à escola, incluindo dispositivos de imagem térmica, sensores e câmeras remotas, não foi visto nenhum sinal de vida.
"Não acho que houve má fé", disse o analista de segurança Alejandro Hope. "Você quer acreditar que ainda há crianças vivas lá embaixo."
Operando com pouco sono e confiando em doações de alimentos e ferramentas, socorristas se envolveram emocionalmente com a história, e a emoção que ela forneceu pode ter sido a única coisa que os mantinha trabalhando, apesar da exaustão.
Olhando para trás, a história da garota Frida Sofia teve alguns pontos suspeitos desde o início. Autoridades não conseguiram localizar familiares, e nenhuma garota com esse nome frequentava a escola. O mal-entendido pode ter repercussões políticas: Aurelio Nuño, atualmente secretário da Educação, mas muitas vezes mencionado como possível candidato presidencial, contou a história da menina desaparecida repetidamente.
Algo semelhante ocorreu em 1985, quando um terremoto de magnitude 8 matou cerca de 10 mil pessoas. Na época, a mídia relatou que um menino de nove anos foi localizado sob os escombros alguns dias depois do tremor de 19 de setembro, exatos 32 anos antes do sismo desta semana. Socorristas se mobilizaram num grande esforço, mas aparentemente o menino nunca existiu. "Isso gerou raiva contra aqueles que espalharam a história", lembra o analista de segurança Alejandro Hope.
PV/efe/ap