Método robótico acelera desenvolvimento de medicamentos
21 de novembro de 2014Quando um dentista erra com a broca, o nervo repassa imediatamente o sinal de dor ao cérebro. Porém se antes foi aplicada uma anestesia, o sinal nem chega a seu destino, já que a substância anestésica interrompe a transmissão elétrica à membrana celular.
As condições sob as quais uma membrana celular permite a passagem de corrente ou não são cruciais não só para os analgésicos, mas para muitos outros medicamentos. Pesquisadores de Munique desenvolveram um processo para medir muito rapidamente a corrente elétrica das células após a adição de várias substâncias. O procedimento já está pronto para utilização comercial, e seus desenvolvedores estiveram entre os indicados para o Prêmio Alemão do Futuro 2014.
Proteínas que preenchem lacunas
A transmissão elétrica ocorre nas células através de canais iônicos, poros formados por proteínas que determinam se a corrente passa ou não por uma membrana celular. "Em todas as células do corpo humano há uma variedade de canais iônicos, essenciais para a comunicação entre as células, além de serem importantes para a condutividade elétrica e a tradução dos sinais elétricos em algum tipo de estímulo", explica o físico Niels Fertig, que se ocupa dessas alongadas proteínas transmembranares desde o período na universidade.
O mau funcionamento dos canais iônicos resulta em sintomas patológicos. Nesse caso, explica, "os medicamentos podem interferir sutilmente, determinando, por exemplo, a abertura e o fechamento desses canais". Cada tipo de célula tem canais iônicos diferentes: Fertig estima que eles sejam afetados por até 15% de todos os medicamentos no mercado.
Além dos analgésicos, incluem-se nessa lista os medicamentos cardíacos e psicotrópicos; e a epilepsia e o diabetes também são influenciados pelos canais iônicos. Por isso, todos os princípios ativos destinados ao mercado deveriam ser testados quanto a potenciais efeitos colaterais sobre esses canais. Assim os fabricantes podem descartar, por exemplo, que a nova droga vá desencadear arritmia cardíaca ou outros sintomas.
Mas também são necessárias numerosas medições de canais iônicos para se encontrar novos medicamentos para determinadas doenças. "Na primeira fase, são testadas centenas de milhares, às vezes mais de 1 milhão de substâncias, e em seguida são selecionadas as melhores 10 mil, ou seja, as que mostram algum efeito ", descreve Fertig o trabalhoso processo de pesquisa. "Então continua-se peneirando, até ser encontrada a substância que parece mais interessante."
Robôs trabalham mais rápido
Até há poucos anos, esse processo só era possível manualmente: com uma pipeta condutora de eletricidade especial, o técnico de laboratório tinha que pegar uma célula especialmente cultivada e testá-la com um determinado medicamento – uma tarefa árdua e morosa.
Por isso, Fertig desenvolveu, com seus dois colegas físicos Michael George e Andrea Brüggemann, na empresa conjunta Nanion, um método robótico de alto rendimento, que acelera em mil vezes esse processo.
Em lugar da pipeta, emprega-se um chip de silicato de boro. Como num tabuleiro de xadrez, ele contém 384 pequenos campos emoldurados, cada um contendo um pote milimétrico. Dentro deles está uma solução contendo células cultivadas, com tipos de canais iônicos selecionados, bem específicos.
No fundo de cada pote está um orifício minúsculo, com diâmetro de um mícron – cerca de um centésimo do diâmetro de um fio de cabelo. "Colocamos uma gota dessa suspensão celular no chip, aí aplicamos pressão negativa e sugamos uma célula da solução para a abertura no chip", descreve o físico.
Dependendo de se, nesse momento, os canais iônicos na membrana celular estão abertos ou fechados, a corrente flui ou não através do orifício. Em seguida, um robô adiciona um princípio ativo. Se os canais iônicos reagem a ele, ocorre uma mudança imediata no fluxo da corrente, que é detectado e avaliado por um computador.
Escala industrial
Mas os desenvolvedores de medicamentos podem descobrir ainda mais. "Eu posso emitir sequências de tensões elétricas para induzir as células a certos comportamentos, estimulando os canais iônicos num determinado ritmo. Tenho, portanto, condições perfeitamente controladas e posso simular qualquer situação a que as células do corpo humano venham a ser expostas."
A firma Nanion, de Fertig, George e Brüggemannk, foi fundada em 2002. Seus primeiros robôs eram capazes de examinar apenas uma única célula de cada vez. Mais tarde, os pesquisadores aumentaram essa capacidade para quatro, oito, por fim 96 células.
Entretanto o grande salto para a escala industrial só veio em 2013, com o chip de 384 células. Ele se encaixa perfeitamente nos robôs de pipetagem de padrão industrial, empregados por todas as grandes empresas farmacêuticas e instituições de pesquisa.
"Do momento em que tivemos essa ideia até a venda da primeira unidade, passaram-se seis meses: portanto foi um desenvolvimento muito rápido", conta o biofísico Michael George. "Os módulos também facilitam a produção de vários aparelhos. Não precisamos manter esses grandes robôs de pipetagem em estoque: basta levarmos os módulos até o cliente, e o robô é montado por uma outra empresa."
Meio criativo na universidade
A indústria já formava fila antes mesmo de o primeiro aparelho ser entregue pela Nanion, em 2013. Hoje, praticamente todas as grandes empresas farmacêuticas e laboratórios de pesquisa acadêmica do mundo possuem esse equipamento.
George não credita exclusivamente o sucesso excepcional da Nanion à equipe de inventores, mas também à instituição em que ele e seu colega Niels Fertig fizeram o doutorado, a Universidade Ludwig Maximilian de Munique.
"Decisivo, claro, é o Niels, que queria muito isso. Mas também tivemos modelos e exemplos de conduta no Center for Nanoscience", salienta o biofísico. Lá foram fundadas numerosas startups, nos anos anteriores, mostrado-lhes que "algo assim é possível". No início, a universidade também apoiou os e empresários recém-doutorados com salas de trabalho e vagas de meio expediente.
O ambiente é bastante decisivo, comenta Fertig. "Nós percebemos que éramos muito importantes como referência para empresas que surgiram depois. Há muito intercâmbio, fica-se conhecendo gente que fez a mesma coisa e se pode conversar com fundadores de empresas." Um "espírito e uma cultura fundadora" assim são importantes para permitir que pesquisadores deem vida às suas ideias, conclui o cientista.