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Há 50 anos morria Hermann Hesse, o escritor amado e subestimado

9 de agosto de 2012

Prêmio Nobel de Literatura de 1946, Hermann Hesse é um dos autores alemães mais lidos em todo o mundo. Quando morreu, em 1962, era um dos mais menosprezados.

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Quando os alemães querem deixar claro que algo perdeu o valor, eles o comparam com um vaso de flores. O respeitado jornal semanal Die Zeit declarou, em 1962, que a obra do escritor Hermann Hesse não servia nem para ganhar um vaso de flores. Hesse havia acabado de falecer, em decorrência de um derrame cerebral.

O tempo mostrou que o jornal estava errado. Cinquenta anos depois, Hesse está presente em livrarias de todo o mundo, com mais de 125 milhões de cópias publicadas. A obra dele foi traduzida para mais de 60 idiomas.

Desde cedo, Hesse sabia que um dia se tornaria escritor, o que divergia da maneira como seus pais viam seu futuro. Ele deveria se tornar pastor, seguindo a tradição da família. Seu pai havia sido missionário na Índia e sua mãe era filha de um missionário.

Hesse nasceu em 2 de julho de 1877 em Calw, próximo a Stuttgart.  Em 1891 seus pais o enviaram ao Mosteiro de Maulbronn, de onde ele fugiria meses depois por não suportar a educação cristã.

Ser um escritor

Sua vontade era clara: ou ele seria um escritor ou não seria nada. O caminho para chegar lá se mostrou uma verdadeira odisseia. Hesse frequentou diversas escolas e não conseguia se encontrar. Aos 15 anos, numa fase depressiva, tentou o suicídio. Ele acabou trabalhando como aprendiz numa fábrica de relógios e finalmente numa livraria.

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A obra de Hermann Hesse foi traduzida em mais de 60 idiomasFoto: Gret Widmann/gemeinfrei

A busca pela própria identidade e o difícil processo de realização pessoal foram temas que Hesse tratou anos mais tarde em seus romances. Suas histórias são cheias de referências a suas experiências pessoais, autoanálise e confissões poéticas.

O biógrafo de Hesse, Gunnar Decker, explica assim o interesse que a obra do escritor desperta ao redor do mundo: "Essa busca pela autonomia e religiosidade, por um conceito de religiosidade que não é militante ou missionário, mas aberto a outros projetos de vida, a outras concepções. Essa é uma questão muito urgente no mundo árabe".

Em 1904, Hesse teve seu primeiro sucesso literário, com Peter Camenzind, e pôde começar a viver de literatura. Ele se casou com a fotógrafa Maria Bernoulli e eles se mudaram para uma casa de campo nas proximidades do Lago de Constança, onde tiveram filhos. No entanto, a comodidade e segurança da vida em família se tornaram uma tortura para ele, com o passar dos anos.

O casamento andava mal. Hesse deixou o Lago de Constança e foi conhecer o mundo. Viajou para o Sri Lanka e para a Indonésia. Essa viagem pela Ásia teria uma forte influência na sua obra futura, como no romance Sidarta.

Após seu retorno da Ásia, Hesse se mudou para a Suíça. Em 1914, início da Primeira Guerra Mundial, ele se alistou voluntariamente como soldado, mas foi dispensado por problemas de visão. Em vez de ir para o front, trabalhou em Berna, no auxílio aos prisioneiros de guerra alemães.

De voluntário a crítico da guerra

Mas a guerra – e a propaganda da guerra – se tornaram insuportáveis para ele. No início da Primeira Guerra, escreveu um artigo no jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, intitulado O Freunde, nicht diese Töne ["Oh amigos, não estes tons", poesia de Schiller musicada por Beethoven na Nona Sinfonia] no qual apela aos intelectuais alemães por menos polêmicas nacionalistas e mais humanidade.

A resposta foi o ódio, a ridicularização e a perseguição. Essa crítica e a guerra abalaram Hesse. Além disso, ele teve problemas pessoais: a morte do pai e a doença do filho mais novo. Tudo isso levou o escritor a uma profunda crise pessoal. Em 1917 buscou ajuda profissional. A partir do seu encontro com a psicanálise, Hesse escreveu, sob o pseudônimo Emil Sinclair, o livro Demian.

08.2012 DW Highlights August Hermann Hesse
A popularidade do escritor aumentou com o crescimento do movimento hippie nos Estados Unidos

O primeiro casamento, que não ia bem, fracassou. Hesse deixou a família e tentou um recomeço. Algumas de suas principais obras, como O lobo da estepe e Narciso e Goldmund foram escritas nessa fase, enquanto ele vivia na região suíça do Tessino. Em 1924, ele se tornou um cidadão suíço e se casou com Ruth Wenger, de quem se separou três anos depois. Sua terceira mulher foi a historiadora Ninon Dolbin. Eles casaram em 1931 e permaneceram juntos até a morte de Hesse.

Inimigo do nazismo

A tomada do poder pelos nazistas na Alemanha foi motivo de preocupação para Hesse. Durante a guerra, ele apoiou refugiados alemães como os escritores Thomas Mann e Bertolt Brecht, oferecendo a eles asilo. Foi também durante esse período que ele escreveu sua última grande obra, O jogo das contas de vidro.

Em 1946, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura "por seus escritos inspirados que, ao ganharem em audácia e profundidade, exemplificam os ideais clássicos do humanismo e a alta qualidade do estilo". Após o fim da guerra, a Alemanha leu muito a obra do escritor, em busca de autoreflexão e de um novo caminho.

Ao morrer em 1962 em sua casa em Montagnola na Suíça, a popularidade de seus livros parecia ter desaparecido. Os críticos de Hesse diziam que suas histórias eram uma colagem brega de baixo nível. Sua popularidade voltou a crescer com o surgimento do movimento hippie nos Estados Unidos. Os hippies se reconheceram nos personagens conflituosos de Hesse, divididos entre uma existência como indivíduo artístico e a presença numa sociedade burguesa. Exatamente como Harry Haller, o protagonista de O lobo da estepe. O livro virou uma febre em todo o mundo. Desde então, a obra de Hesse continua sendo requisitada.

A editora alemã Suhrkamp, que publicou diversas obras de Hesse, escreveu em 2005, aludindo ao obituário publicado em 1962 no jornal Die Zeit: "Nenhum autor proporcionou tantos vasos de flores para a editora Suhrkamp como Hermann Hesse".

Autora: Laura Döing (mas)
Revisão: Alexandre Schossler