Romances de Clarice Lispector voltam a despertar interesse internacional
28 de junho de 2012Os capítulos brasileiros da história são já bastante conhecidos. Em 1943, quando a literatura brasileira vinha de uma década marcada pela escrita regionalista e engajada de autores como Graciliano Ramos, Jorge Amado e Rachel de Queiroz, foi lançado o romance de uma novata com o estranho título de Perto do coração selvagem, causando alvoroço no meio literário. Alguns dos críticos mais importantes do momento, como Antonio Candido e Sérgio Milliet, debruçaram-se sobre o livro e o declararam um acontecimento sem precedentes nas letras nacionais.
Pequenas lendas começaram a circular sobre a autora, de que seria apenas uma adolescente de 17 anos (a autora tinha na verdade 23), ou de que seria um homem escrevendo sob pseudônimo. Uma escritora de "nome desagradável", escreveria Milliet. O nome, desagradável para uma literatura formada ainda basicamente por descendentes de portugueses e que só no pós-guerra começaria a receber maior influxo de novos imigrantes, era Clarice Lispector.
Nascida na Ucrânia a caminho do Brasil, fugindo dos pogroms comuns da região, a família da autora chegaria ao país quando ela ainda era criança. Cresceu no Recife, antes de se mudar para o Rio de Janeiro. No mesmo ano da publicação do romance de estreia, casou-se com o diplomata Maury Gurgel Valente, deixou o país a seu lado e passou a residir na Itália, Suíça e Estados Unidos, produzindo em relativa obscuridade seus próximos livros.
Carreira literária
Ao retornar ao Brasil e com a publicação em 1960 do livro de contos Laços de família, Clarice Lispector cimentou sua celebridade literária, escrevendo nos anos seguintes alguns dos trabalhos mais fascinantes e inclassificáveis da Literatura Brasileira do pós-guerra, até sua morte por câncer no ovário em 1977. Trabalhos de uma inteligência com sutileza ético-política só comparável à de Machado de Assis, e frutos de um tormento místico que talvez encontre paralelos apenas na escrita de Cornélio Penna e de seu amigo Lúcio Cardoso, ou no de outra mística atormentada, Hilda Hilst.
Traduzida e publicada na Alemanha em traduções de Curt Meyer-Clason, dentre outros, foi na verdade através de traduções francesas e do interesse de críticas como Hélène Cixous, que escreveu amplamente sobre o trabalho da brasileira, que os capítulos internacionais da carreira póstuma de Clarice Lispector começaram a ganhar força.
Cixous, importante crítica feminista, foi por anos a embaixatriz dos estudos clariceanos na Europa, dedicando à autora o livro L'Heure de Clarice Lispector (1989), a quem considera uma das maiores escritoras do século 20, comparável a Kafka, Joyce e Blanchot.
Novo impulso no interesse internacional
Mas tal dedicação alcançou o âmbito acadêmico, sem aumentar muito o público leitor internacional da brasileira. Ainda que tais estudos tenham sido acompanhados por traduções, a recepção acabou restrita ao mundo francófono, mesmo que tenha chegado a outros âmbitos culturais, como comprova o interesse da poeta americana Rosmarie Waldrop, que já mencionou o trabalho de Lispector em entrevistas.
Isso agora pode mudar com a chegada de novas traduções de quatro romances de Clarice Lispector para o inglês, lingua franca de hoje, sendo lançadas este mês pela lendária editora norte-americana New Directions Publishing. Fundada em 1936 por James Laughlin, a editora teve papel importante na recepção do trabalho de autores como James Joyce, D.H. Lawrence e Vladimir Nabokov, e tem lançado nos Estados Unidos vários autores latino-americanos, como Jorge Luis Borges, Roberto Bolaño e César Aira.
A virada na recepção do trabalho de Clarice Lispector no mundo anglófono começou há três anos, quando o americano Benjamin Moser lançou sua celebrada biografia da brasileira, publicada sob o título Why This World: A Biography of Clarice Lispector (Oxford University Press , 2009). Publicada no Brasil pela editora paulistana Cosac Naify, o livro entrou para a lista dos mais vendidos.
Mas o objetivo principal do livro, como Moser já disse em entrevista, não era exatamente celebrar a autora no país onde já é lendária, mas apresentá-la aos leitores norte-americanos e, através de uma biografia em inglês, tentar despertar o interesse global por uma escritora que ele considera tão única na literatura mundial do século 20.
Lançamento nos EUA e Reino Unido
Após ter a biografia resenhada em alguns dos principais jornais norte-americanos como o New York Times, sua missão começa a se cumprir agora, com o lançamento de sua tradução para A Hora da Estrela (1977) – que será também lançada pela britânica Penguin na importante coleção Penguin Modern Classics, fazendo de Clarice Lispector a primeira brasileira a integrar a coleção – e o lançamento coletivo de traduções novas para os romances Perto do Coração Selvagem, A Paixão segundo G.H., Um Sopro de Vida e Água Viva.
A trajetória internacional de Clarice Lispector parece poder agora crescer na proporção de sua adoração entre os brasileiros, com um filme programado sobre sua vida e o interesse de uma editora chinesa em lançar seus romances.
Autor: Ricardo Domeneck
Revisão: Francis França