Flor do deserto
24 de setembro de 2009Todos os anos, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), por volta de 3 milhões de meninas são vítimas de mutilação genital. A modelo somali Waris Dirie foi uma delas. No apogeu de sua carreira, ela chocou a opinião pública com a revelação de que fora circuncidada quando menina.
Desde que Dirie quebrou o tabu do silêncio, ela escreveu vários livros sobre sua vida, iniciando uma luta contra a circuncisão feminina. Flor do Deserto já vendeu 11 milhões de cópias e sua filmagem representou a Alemanha no último Festival de Cinema de Veneza.
Nesta quinta-feira (24/09), Desert Flower (Flor do Deserto) estreia nos cinemas alemães. No filme dirigido por Sherry Hormann – que nasceu nos EUA, estudou em Munique e vive em Berlim – a top model etíope Liya Kebede faz o papel de Waris Dirie.
História cinematográfica
Dirie foi uma dos 12 filhos de uma família nômade da Somália. Aos 13 anos escapou de ser vendida como esposa para um homem de 60 anos, por cinco camelos. Após fugir para Mogadíscio, seguiu para Londres, acompanhando seu tio diplomata.
Como autodidata, ela aprendeu a ler e a escrever. Ao ser descoberta por um fotógrafo para uma campanha da cadeia McDonald's, cinco anos mais tarde, Dirie ganhou fama mundial.
Na película, a vida da pequena pastora de ovelhas no seio da família nômade somali-muçulmana aparece primeiramente como um paraíso romântico africano. Após um salto de muitos anos no tempo, ela é mostrada perambulando sem-teto pelas ruas de Londres, trabalhando como faxineira até ser descoberta por um fotógrafo famoso.
Cenas de sua meteórica carreira de modelo são alternadas com flashbacks de seu passado traumático e sangrento. Hormann afirmou que o que lhe interessou na história de Dirie foi o fato de "não ser uma vítima". "Ela está atuante até hoje", observa a diretora.
Prática disseminada
Apesar de ser mais conhecida por comédias românticas, Hormann deixou claro que a principal mensagem do filme no estilo de "gata borralheira" é séria: denunciar que a prática da mutilação genital feminina ainda está bastante disseminada.
Dirie tinha apenas cinco anos quando foi obrigada a passar pela terrível experiência. Uma cena no filme mostra uma garota chorando, retida, enquanto uma mulher corta partes de sua genitália com uma lâmina de barbear. A ferida é então costurada com um fio grosso, deixando um pequeno orifício para passagem de urina.
A OMS estima que, em todo o mundo, cerca de 150 milhões de mulheres foram vítimas de circuncisão – uma prática utilizada para impedir o prazer sexual feminino. Na Etiópia, três quartos da população feminina é vítima da cruel tradição, informa a organização internacional.
Hormann filmou longos trechos do filme em Djibuti, país com grande população somali. Ela conta que a equipe de filmagem sofreu grande hostilidade por parte da população local, e teve que providenciar segurança pessoal.
"As pessoas nos odiavam, nos jogavam pedras porque éramos brancos que vieram para falar sobre a mutilação genital", disse Hormann. "E quando Waris apareceu – isso os provocou ainda mais."
Passividade mundial
A diretora explicou que sua principal motivação para o filme foi chamar a atenção para um problema que não existe somente em outras partes do mundo, mas também cada vez mais na Europa.
"Imigrantes trazem consigo essa tradição para seus novos lares. Isto é muito preocupante", disse Hormann. "Por isso esperamos que o filme ajude a aumentar o grau de conscientização sobre o tema."
É isso o que Waris Dirie tem feito há mais de uma década. A ex-top model é embaixadora especial da ONU contra mutilação feminina e estabeleceu uma fundação com o fim de chamar a atenção para o problema.
"O mundo sabe que essas mutilações são erradas, mas até agora não se fez muita coisa. Não entendo por que o mundo fica só olhando", declarou Waris Dirie no Festival de Veneza. E advertiu: "Em algum lugar do mundo uma menina está sendo mutilada agora. A amanhã, o mesmo destino espera mais outra menina".
CA/dpa/ap/epd/ots
Revisão: Augusto Valente