Ex-guarda de campo de concentração nazista vai a julgamento
17 de outubro de 2019"Jamais me esquecerei de que estava sempre com fome, dia e noite." Dora Roth e sua mãe estavam entre as cerca de 120 mil pessoas brutalmente mantidas no campo de concentração nazista de Stutthof, próximo a Danzig (hoje Gdańsk, na Polônia). Ao menos 65 mil morreram no local. Uma dessas pessoas era a mãe de Dora. Ela morreu de fome por que dava à filha suas rações de pão.
Os prisioneiros em Stutthof não morriam apenas de fome, mas também de exaustão em razão dos trabalhos forçados, doenças, executados a bala ou nas câmaras de gás. Eles eram vigiados por guardas em 25 torres de observação, de onde as sentinelas tinham uma clara visão de todas as partes do campo.
Eles também viam a fumaça das chaminés do crematório de Stutthof. Seria possível que os guardas não percebessem a fumaça? Ou será que eles são parcialmente responsáveis por apoiar a matança em escala industrial que a Alemanha nazista perpetrou no local?
Bruno D., à época com 17 anos, teria subido regularmente as escadas dessas torres para trabalhar em seus turnos de vigia entre o verão de 1944 e a primavera de 1945.
Promotores públicos dizem que, na função de atirador de elite da SS – organização paramilitar do regime nazista –, ele não apenas trabalhou como vigia, mas também assassinou prisioneiros no campo. Agora, quase 75 anos após a libertação dos prisioneiros no campo, ele será julgado no Tribunal Estadual de Hamburgo. Ele enfrenta 5.230 acusações de cumplicidade em assassinatos.
Como era menor de idade, uma corte juvenil tentará determinar se ele não apenas evitava que as pessoas fugissem do campo, mas se também esteve envolvido em pôr fim a revoltas e impedir a libertação de prisioneiros. Os promotores estaduais estão convencidos de que ele "reconhecidamente contribuiu na insidiosa e cruel matança de prisioneiros, na maioria, judeus". Eles o acusam de ser uma "engrenagem na máquina assassina" e ainda ter "cumprido ordens de execução".
A questão decisiva será saber se o homem de 93 anos de idade sabia dos assassinatos que ocorriam no campo. Bruno D. alega que não. No ano passado, ele foi submetido a interrogatórios constantes pelos promotores, que dizem que ele cooperou com as autoridades responsáveis pelas investigações.
Ele não negou ter sido guarda do campo de Stutthof, mas diz que não é culpado das acusações que pesam contra sua pessoa. Ele diz que não foi, de forma alguma, cúmplice nos assassinatos.
O caso prossegue em circunstâncias complicadas. Primeiramente, a corte deve determinar se Bruno D. é suficientemente saudável para enfrentar o julgamento. Alguns especialistas avaliaram que ele é apenas parcialmente capaz. Dessa forma, permanece em aberto se sua saúde se manterá estável e será possível chegar a um veredito.
Ao contrário do que ocorria nas últimas décadas, não é mais necessário na Alemanha que os promotores tenham de provar o envolvimento direto em assassinatos individuais de forma a obter a condenação por crimes de guerra nazistas. As acusações também podem ser feitas a pessoas que são consideradas cúmplices.
O julgamento de Bruno D. é apenas um entre muitos que ocorreram nos últimos dez anos onde guardas, burocratas e outros que trabalhavam com os nazistas tiveram que responder por suas ações no passado. Em 2011, o ucraniano John Demjanjuk, um ex-guarda do campo de extermínio em Sobibor, foi sentenciado a cinco anos de prisão.
Outro guarda do campo de Stutthof foi acusado de cumplicidade nos assassinatos em 2018, mas o processo foi interrompido após o homem de 95 anos ser considerado permanentemente inapto a enfrentar um julgamento.
Segundo. Thomas Will, vice-diretor do Escritório Central das Administrações Estaduais de Justiça para a Investigação dos Crimes do Nacional-Socialismo, estão em andamento outros 23 casos contra funcionários de campos de concentração nazistas.
Para os sobreviventes, não é apenas importante levar essas pessoas a julgamento, mas também manter viva a memória do que ocorreu durante o regime nazista. Depois de seu campo ser libertado, Dora Roth, por exemplo, dedicou sua vida a explicar o que aconteceu naquele lugar. Ela conversou com incontáveis pessoas, especialmente crianças, sobre suas terríveis experiências no campo de Stutthof.
"O que eles fizeram conosco era algo incompreensível. Todos os que sabem o que ocorreu têm a obrigação de contar aos outros. É apenas dessa forma que poderemos evitar outro Holocausto."
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