Netos de nazistas quebram o silêncio
3 de setembro de 2019Gabriele Palm-Funke recorda exatamente quando começou a pesquisar. Foi há 12 anos, quando ela e seu filho pequeno viajaram com sua mãe para o local de nascimento dela, na Polônia. À noite, sentadas juntas, conversaram sobre o passado, sobre o avô falecido. E, repentinamente, a mãe de Palm-Funke disse: "Nunca esquecerei as muitas pessoas com as estrelas amarelas".
Um calafrio percorreu a espinha de Palm-Funke. Naquela noite, ela descobriu que seu avô havia sido guarda num campo com prisioneiros judeus. Posteriormente, ela constatou que se tratava do campo de concentração de Trzebinia. A mãe dela o visitou no campo quando tinha seis anos de idade. Foi quando viu muitas pessoas que traziam estampada nas roupas uma estrela amarela – símbolo para identificar uma pessoa que era judia.
De volta à Alemanha, a teóloga Palm-Funke decidiu pesquisar e digitou o nome de seu avô em ferramentas de busca. Ela enviou um requerimento ao Arquivo Federal alemão e acabou encontrando numa biblioteca um livro escrito por um sobrevivente do Holocausto que descrevia seu avô, o sargento Luboeinski, como um animal.
"Eu me senti muito mal", recorda Palm-Funke. Ela afirma ter sentido raiva, mas também vergonha. E se viu confrontada com indagações aflitivas: por que ninguém da família nunca falou sobre isso? Por que o avô nunca foi punido, apesar de ter matado um garoto de 17 anos no campo?
Estimativas apontam que entre 200 mil e 250 mil homens e mulheres alemães, austríacos e os chamados "alemães étnicos" se tornaram infratores durante o período nazista. Apenas uma pequena parcela foi condenada em tribunais alemães.
A Alemanha tem lidado bem com o seu capítulo sombrio do nacional-socialismo, que perdurou no país entre 1933 e 1945. A forma como a Alemanha cultiva a memória do Holocausto é elogiada no exterior. Existem monumentos, memoriais e os horrores da era nazista são abordados nas escolas. No entanto, em muitas famílias ainda prevalece o silêncio sobre o que o avô ou a bisavó fizeram, mesmo 80 anos após o início da Segunda Guerra.
"Tem muito a ver com lealdade dentro da família"
Lena Ditte Nissen, de 32 anos, sabe desde os 14 anos de idade que membros de sua família cometeram crimes no período nazista. Em seu apartamento em Colônia, ela abre fotos em preto e branco em seu computador.
São fotos de sua bisavó Nanna Conti, chefe da associação das parteiras do Reich Alemão e responsável pelo fato de que recém-nascidos com deficiência eram mortos. São fotos também do tio-avô Leonardo Conti, que ocupava o cargo relativo ao de ministro da Saúde e participou do programa de eugenia e em experimentos com seres humanos.
Até o final do ano, Nissen pretende apresentar as memórias de sua avó na forma de um projeto de arte. São registros que mostram que ela deve ter sido uma mãe amorosa e ao mesmo tempo uma defensora convicta do nazismo.
Nissen decidiu se confrontar cada vez mais com a história de sua família quando os populistas de direita da Alternativa para a Alemanha (AfD) alcançaram vitórias eleitorais significativas, primeiro em parlamentos estaduais, depois, em 2017, com assentos no Bundestag.
Ela afirma achar importante falar sobre os transgressores em sua família, especialmente no momento atual, mesmo que "sinta uma resistência interna muito grande".
"Acho que isso tem muito a ver com a lealdade dentro da família, que você não quer ser o delator a manchar o próprio lar", diz. Há alguns meses, Nissen faz parte de um grupo de pessoas cujos membros familiares foram apoiadores, agressores ou vítimas durante o período nazista.
A família de Peter Pogany-Wnendt, líder do grupo, pertence à terceira categoria, a das vítimas: seus pais sobreviveram ao Holocausto, mas seus avós, judeus húngaros, provavelmente foram mortos a tiros por nazistas na Hungria. Em seu consultório em Colônia, o psicoterapeuta mostra uma fotografia emoldurada deles e a descreve como "o portador da tristeza, da dor da família".
Há bastante tempo, o psicoterapeuta se ocupa com o silêncio sobre o que aconteceu décadas atrás, naquele período sombrio da história. Muitos que estiveram na guerra, envolvidos no Holocausto, nunca conversaram sobre isso.
"Sem saber, eles passaram essa culpa e os sentimentos de vergonha não processados para a próxima geração", diz Pogany-Wnendt. Segundo o psicoterapeuta, o fato de discursos extremistas de direita e o antissemitismo terem recebido uma aceitação social maior é uma consequência desses sentimentos reprimidos de culpa.
O silêncio de décadas
Assim como Nissen e Palm-Funke, Guy Hofmann também foi à procura de transgressores nazistas em sua família. Há alguns anos, ele encontrou um artigo na Wikipedia sobre seu tio-avô, que foi dirigiu um órgão importante em Munique durante o regime nazista e que matou um combatente da resistência pouco antes do final da Segunda Guerra.
Hofmann cresceu perto do local do crime, por onde passou diversas vezes quando criança e adolescente. O fato de um membro da família ter se tornado um criminoso naquele local foi mantido em silêncio por décadas entre os familiares. Hofmann diz ter a sensação de estar apenas no início de sua pesquisa.
"Quanto mais informações eu coletar, mais atenuante será para mim", afirma. Segundo ele, o passado já é bastante estressante para ele, mesmo sem entrar no mérito da chamada "Sippenhaft", um conceito legal na era nazista, segundo o qual um réu estende automaticamente sua responsabilidade criminal aos parentes.
Muitas vezes, também o atormenta o desconfortável pensamento de que a prosperidade de sua família pode estar relacionada à chamada "arianização", isto é, a expropriação compulsória de propriedades e bens de judeus.
Neste interim, Hofmann conheceu a neta do homem morto por seu tio-avô. Recentemente, ele começou a vasculhar o passado de seu avô. Para ele, é importante iluminar o buraco negro em sua história familiar – e olhar por todos os ângulos e em todos os cantos.
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