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Talidomida

6 de setembro de 2007

Tribunal Constitucional Federal dá sinal verde à exibição de ficção que retrata vítimas da talidomida nos anos 60. Decisão vai contra queixa do fabricante do medicamento, que tentava impedir veiculação do filme pela TV.

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Série para TV em dois episódios: vítimas nos anos 60Foto: WDR/Willi Weber,

Em outubro de 1957, o laboratório Grünenthal lançava no mercado um sonífero e tranqüilizante aparentemente inofensivo: o medicamento Contergan, cuja principal substância ativa era a talidomida. A partir de 1959, ficou claro que a ingestão de um único comprimido por mulheres grávidas causava deformações congênitas. Milhares de crianças nasceram com lesões graves, principalmente nos braços e pernas.

Em 1961, o fabricante retirou o medicamento do mercado, mas apenas nove anos mais tarde, em 1970, depois de uma longa luta judicial, é que o laboratório viria a ressarcir as vítimas da talidomida. O escândalo em torno da talidomida e suas mais de cinco mil vítimas apenas dentro do país se tornariam o mais grave caso de danos causados por medicamentos na Alemanha do pós-guerra.

"Apenas um comprimido"

Hoje, décadas mais tarde, a emissora de televisão WDR, associada à produtora Zeitsprung, entre outras, criou uma série de ficção em dois episódios, baseada no escândalo em torno do Cotergan. O protagonista do filme é o então advogado das vítimas, que vai às ultimas conseqüências na luta pelo pagamento das indenizações. Tanto nos créditos iniciais quanto nos finais do filme, fica claro que Apenas um Comprimido – o nome da série – é um filme de ficção e não um documentário, embora seja baseado em fatos reais.

Mesmo através do esclarecimento de que "as pessoas que aparecem no filme, bem como suas ações e conflitos, foram livremente criados", a emissora foi, a princípio, impedida de veicular a série. Somente após idas e vindas do processo entre instâncias jurídicas é que o Tribunal Constitucional Federal anunciou, na última quarta-feira (05/09), que os episódios poderão ser exibidos.

Imagem arranhada

Os argumentos que justificam a sentença lembram que o filme é uma contribuição histórica acerca do escândalo em torno do medicamento e que, sendo um produto de ficção e não documental, não se pode dizer que a série contenha informações errôneas.

A decisão da Justiça contou não só com a rejeição do fabricante Grünenthal – que teme que sua "imagem seja arranhada" – bem como do então advogado das vítimas, insatisfeito com a insinuação de um romance envolvendo sua pessoa no filme.

Terminologia nazista

Acima de tudo, a série televisiva relembra uma Alemanha de 1961 que usava o adjetivo "disforme" para caracterizar os deficientes físicos, recorrendo ainda à terminologia comum do Terceiro Reich. "A Alemanha em delírio com o milagre econômico, onde um medicamento era liberado para o mercado após testes feitos apenas em animais", lembra o diário Die Welt.

A série deverá ir ao ar em outubro próximo, por ocasião dos 50 anos da trágica introdução da talidomida no mercado. Representantes da empresa Grünenthal, que possuem subsidiárias em 31 países do mundo, argumentam que o filme "mistura aleatoriamente realidade e ficção".

Contergan-Prozess
Heinrich Gierlich (centro), promotor no processo contra a empresa Grünenthal, sediada nas proximidades de AachenFoto: AP
Contergan geschädigte Kinder
Aulas de natação para vítimas da talidomida, em 1968Foto: AP

O produtor Michael Souvignier, por outro lado, elogia a decisão da Justiça, que acredita ter sido "um grande passo em prol das vítimas do Contergan e de todo o meio cinematográfico alemão".

Limites entre o real e a ficção

Ao reavivar o caso das vítimas da talidomida, o debate sobre a exibição ou não do filme se transformou no país numa discussão sobre os limites entre o real e a ficção em trabalhos que transitam entre os dois gêneros.

Numa primeira instância, um tribunal havia proibido a exibição do filme, sob o argumento de que "desvios da realidade histórica só são aceitáveis em casos excepcionais". No entanto, insistir nesta tecla teria aberto um precedente para impossibilitar qualquer adaptação de fundo histórico para o cinema.

Espectador consciente

Com a sentença que permite a exibição pela TV de Apenas um Comprimido, a Justiça optou pela vertente que aposta que a história, quando apresentada às próximas gerações, pode se tornar "mais palatável quando adornada pela ficção, perdendo, assim, o caráter de mero documento", comenta o diário Süddeutsche Zeitung.

Na opinião dos juízes que deram sinal verde ao filme, o espectador, diante de uma série fictícia, tem discernimento suficiente para distinguir o real da criação para a tela do cinema ou da TV. (sv)