Em Amsterdã, é ano de Rembrandt
1 de fevereiro de 2019Rembrandt era um gênio dos mais inovadores. Até sua morte, em 4 de outubro de 1669, em Amsterdã, ele pintou sem parar. A Holanda aproveita os 350 anos desde essa data para homenagear o mais célebre artista de sua Época Áurea com um sem número de exposições.
O Rijksmuseum lidera essa onda de mostras, pois não só possui a maior e mais representativa coleção de telas de Rembrandt – entre elas, obras-primas como A ronda noturna e numerosos autorretratos –, como também seus mais belos desenhos e gravuras.
A mostra que o Rijksmuseum inaugura em 15 de fevereiro, Todos os Rembrandts, promete ser um sucesso de público como o país jamais viu. Praticamente todas as suas principais obras estarão expostas: 22 telas, organizadas por temas, dão uma visão geral de sua trajetória criativa. O ponto alto é, naturalmente, a famosa Ronda noturna.
Rembrandt Harmeneszoon van Rijn, nascido em 1609, filho de um moleiro de Leiden, criou obras de arte tão experimentais e tecnicamente inovadoras que até hoje parecem modernas. Ele também se inspirava em temas bíblicos, como o retrato de Isaac e Rebeca, pintado de 1665 a 1669. Suas figuras parecem vivas, graças à forma como representa gestos e emoções, e também eleva o emprego dos efeitos de luz e cor a um novo grau de mestria.
Gregor Weber, especialista em Rembrandt do Rijksmuseum, foi quem, três anos atrás, reuniu a obra tardia do mestre, até então pouco conhecida, numa espetacular mostra em Amsterdã. Ele tenta explicar a origem de tamanho virtuosismo: "Rembrandt possuía uma grande coleção de gravuras, cópias de mestres famosos, de Rafael, Ticiano, Michelangelo, Carracci. Os artistas italianos do século 16 o fascinavam em particular. E quando ele criava uma obra, tinha a história da arte na cabeça e tentava fazer ainda melhor."
O modelo preferido do holandês era ele mesmo, e até a morte pintou um grande número de autorretratos, mais do que qualquer grande artista antes dele: 80, em óleo ou gravura, realizados ao longo de cerca de 40 anos. "Não sei por que ele fez isso, só posso supor que estivesse ocupado consigo mesmo. Ele se utilizava como o modelo mais simples, a fim de experimentar todo tipo de coisas", diz Weber.
Diante do espelho, examinava-se como a um estranho, estudava incansavelmente como a luz lhe modelava o rosto. Ele se captava no ato de pintar, ou vestido de príncipe, ou, em 1661, no papel do apóstolo Paulo. Com o manuscrito do Evangelho diante de si, olha para o lado, para fora do quadro.
O próprio rosto é uma paisagem: rugas profundas sulcam a testa, as sobrancelhas desembocam numa mancha escura que nada mais é do que a camada-base da tela. O grande nariz de batata ganha tridimensionalidade graças a um ponto claro na ponta.
Quanto mais a idade avança, mais impiedosamente Rembrandt registra as próprias manchas senis, a pele inchada, o cabelo que embranquece. Outros quadros parecem inacabados, pois ele trabalha deixando espaços em branco e apenas sugerindo as formas, chega a raspar a tinta da tela com a espátula.
"Essas obras encontraram compradores por que eram 'o Rembrandt de Rembrandt'", explica Weber. Sua produção, com a ajuda de seu ateliê, faz pensar na fábrica do astro da pop-art Andy Warhol. Os autorretratos representam aquilo que, no marketing, caracteriza uma boa marca: ser reconhecível e simples. E são também uma prova do talento comercial do holandês.
"Ele estabeleceu uma marca registrada, como um empresário faz hoje em dia. E também é alguém que autopercebe, impiedosamente, como se transforma com o decorrer da vida e assume novos papéis." Eu seu último autorretrato, colocado no fim da exposição, ele tem 63 anos. Ancião rechonchudo e barba mal feita, ele ainda procura a essência da realidade. são obras que lembram o tique-taque do tempo – e ao mesmo tempo fazem esquecê-lo.
A vida de Rembrandt foi marcada por sofrimentos: em 1642, morreu sua amada esposa, Saskia. Ficou o filho Titus. O ano em que conclui a famosa Ronda noturna também marcou uma guinada em sua vida: a governanta o processou por quebrar uma promessa de casamento. No fim, o artista acabou envolvido em 25 processos judiciais, a falência financeira foi inevitável. Ele foi obrigado a se desfazer de sua coleção particular de arte e de sua enciclopédica coleção de globos, moedas, instrumentos musicais, pedras e armas.
"Observando a Ronda noturna, se reconhece que ele se esgotou completamente com ela. É uma tela gigantesca, em que coloca tudo o que pode. Em seguida, entra aparentemente numa crise, pois nos anos seguintes praticamente não pintou retratos. Ele é alguém que busca."
O que faz um artista paparicado pelo sucesso como Rembrandt, ao se ver diante do precipício? "Ele se reinventou", afirma Gregor Weber, libertando-se das rigorosas convenções da pintura histórica e de retratos da Época Áurea. Em 1651, aos 42 anos de idade, ele entregou-se novamente às telas, liberto e com novo élan.
Os rostos retratados por Rembrandt na fase madura são pouco idealizados. O olhar está geralmente voltado para dentro, como no caso da anciã que lê concentrada um livro. Ele a apresenta em close-up: o rosto branco é iluminado pelo reflexo das páginas. Lábios, nariz, queixo se destacam de modo tão plástico que se parece poder tocá-los. O fundo é apenas sugerido, como uma atmosfera escura.
"Ele assumiu um outro estilo e passou a experimentar mais. Foi-se a fase anterior do Sturm und Drang, quando ele valorizava a ação na tela. Ele voltou a ação para dentro e se tornou contemplativo", analisa Weber. A pincelada é por vezes grosseira, por outras delicada. Ele confia no espectador, um apelo à fantasia para complementar na mente o inacabado.
Ao pintar em 1656 a Lição de anatomia do Dr. Deyman, em que o cérebro de um cadáver é dissecado, a inusitada composição é tão realista que ameaça horrorizar os mais sensíveis. "Tudo deve ser como é na realidade: crasso e verdadeiro. Rembrandt não poupa nada a quem encomendou o quadro", explica Weber.
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