Fórum Social Mundial
29 de janeiro de 2010O retorno do Fórum Social Mundial à cidade de Porto Alegre significou mais do que uma comemoração dos 10 anos de existência do Fórum. Representou um espaço para a discussão do verdadeiro propósito do encontro internacional e dos desafios para o desenvolvimento mundial no século 21.
Durante os cinco dias do evento, foram realizadas 915 atividades em sete cidades, que reuniram 35 mil pessoas de quase 40 países. Um dos idealizadores do evento, o empresário Oded Grajew, disse que as organizações ali presentes recolhem, apresentam e trocam ideias, que começam a ser colocadas em ação a partir do Fórum.
Muitos dos resultados dos debates e propostas do encontro no Brasil serão levados para Dacar, no Senegal, onde o evento será realizado em 2011, como também para sucessivos fóruns espalhados pelo mundo. Ao todo, 27 desses encontros acontecerão ao longo de 2010.
"Para nós que estamos aqui desde o começo, tentando dizer que o bom caminho é construir a união, está cada vez mais claro que não é só possível, mas fundamentalmente necessário e urgente. Entretanto, o Fórum não existe para chegar a uma conclusão e dizer qual o caminho que todos devem seguir. Ele existe para abrir esse espaço de reflexão sobre nossas próprias ações", afirmou Francisco Whitaker, cofundador do FSM e membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
Desenvolvimento sustentável
Whitaker ressaltou que pontos importantes desta edição nasceram no Fórum Social de Belém, em 2009. Ele destacou a ideia do Bem-viver, conceito de um novo tipo de sociedade, de pessoas vivendo em harmonia com os semelhantes e com a natureza. "Transforma positivamente essa perspectiva solidária de gente, não de objeto da acumulação de dinheiro, é um paradigma de civilização", enfatizou.
A todo momento, surgem experiências embrionárias no Brasil e no mundo que oferecem uma nova perspectiva de manutenção da sustentabilidade. A senadora e ex-ministra brasileira do Meio Ambiente, Marina Silva, presente no painel "Novos Parâmetros para o Desenvolvimento", afirmou que o Fórum não aponta uma fórmula única, mas promove o diálogo e a análise das propostas.
"Não há como continuar destruindo as bases naturais de nosso desenvolvimento. No outro mundo possível, há que se ter sustentabilidade", disse. A senadora ainda citou como exemplo o saber popular de comunidades tradicionais ou indígenas, considerado fundamental para a proteção dos ambientes naturais.
Balanço dos 10 anos
Uma das atividades centrais do FSM 2010 foi o Seminário Internacional "10 Anos Depois: Desafios e propostas para outro mundo possível". Mais de 70 intelectuais e dirigentes sociais do mundo todo participaram da iniciativa. Muitos deles integraram o processo de criação e construção do Fórum Social Mundial na última década. Os novos desafios da sociedade civil e a projeção dos caminhos a serem trilhados pelo FSM estavam em pauta: os erros, acertos e a dinâmica institucional do Fórum.
Para Chico Whitaker, o resultado do seminário foi positivo, tendo em vista a convergência de opiniões dos participantes, engajados em diferentes lutas. "O que o balanço desses 10 anos mostrou é que a fórmula de não se centrar na identidade de ser algo sólido, monolítico e com uma agenda precisa, funciona", ressaltou. "Em 10 anos, o FSM está mais vivo do que nunca".
No entanto, talvez seja essa abertura para a diversidade, criatividade, liberdade e multiplicidade de ações que dificulte um pouco o processo da organização do FSM. Atividades são canceladas, transferidas, mudam de local ou surgem espontaneamente, o que deixa os mais tradicionais um pouco atordoados, salienta.
Com a proposta de não hierarquização na definição dos eventos, todo participante pode ser protagonista. "O FSM se propõe a fazer uma mudança cultural para que as pessoas mudem a maneira de pensar. É um espaço para atividades auto-organizadas, um processo inovador. Cada um tem seu espaço, e todos são igualmente importantes", afirma Oded Grajew.
Para onde vai o FSM
Durante o 10º Fórum Social Mundial, movimentos sociais e sindicais brasileiros – e alguns estrangeiros – defenderam a transformação do FSM em uma entidade que lute pelos ideais e propostas discutidas no encontro. A sugestão dividiu o Fórum, que funciona há 10 anos como um espaço aberto de articulações. "Ninguém aqui defende pegar em armas, mas se não fizermos grandes mobilizações de massa, não haverá como enfrentar mais nada. Temos que começar a marcar gols", disse João Felício, representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), entidade cofundadora do Fórum.
Os organizadores do encontro, no entanto, adiantam que a mudança significaria um retrocesso. De acordo com Francisco Whitaker, transformar o fórum numa entidade ou organização é promover divisão. "Significaria introduzir dentro desse movimento a luta pelo poder de representá-lo, de falar em nome dele. Assim nós mataríamos o FSM", alerta.
Para Grajew, o Fórum é um processo, quem deve se articular e formar alianças são as entidades. "Estamos trabalhando em algo muito difícil: a mudança das culturas. A competição e a hierarquização patriarcal estão na mente ocidental há séculos. É uma mudança muito difícil e que tentamos implementar há 10 anos, mas é a única que pode nos levar a um desenvolvimento sustentável", conclui.
Autora: Júlia Assef
Revisão: Carlos Albuquerque