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EducaçãoBrasil

E como fica quem leva anos para passar no vestibular?

Marina Gonçalves
20 de janeiro de 2023

“No começo, a gente aguenta o ritmo, porque ainda tem energia para gastar. À medida que os anos vão passando, a situação não é mais tão suportável e o desafio, motor inicial, não oferece o mesmo apelo mais."

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Fachada do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). em São José dos Campos
Fachada do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). em São José dos CamposFoto: Marina Gonçalves/Privat

Para aqueles no momento desafiador do vestibular, a divulgação dos aprovados no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) pode já ser conhecida, pois recebe bastante cobertura midiática. Nos últimos anos, têm sido divulgadas as aprovações – muito merecidas de tais candidatos e de suas famílias, que provavelmente estão nos bastidores – de adolescentes consideravelmente abaixo da idade usual de término do ensino médio.

No entanto, existe outro lado da moeda: como fica quem passou mais velho, após anos de tentativas ou, pior ainda, quem atingiu o limite de idade sem a aprovação?

"Limite de idade”? Você leu certo, é isso mesmo: 23 anos no ano de realização do vestibular.

Um pouco de contexto. O ITA é uma instituição pública de ensino superior de engenharia ligada ao Comando da Aeronáutica. Há seis especialidades: aeronáutica, aeroespacial, mecânica-aeronáutica, civil-aeronáutica, eletrônica e de computação. Para cursar alguma dessas engenharias no ITA, o candidato deve passar por um processo seletivo exigente e concorrido.

Do meu lado, lá pelos idos de 2014, no 2º EM, eu não sabia nenhum desses dados. Só sabia que o ITA era uma instituição de engenharia – o que descobri na internet – e que o processo seletivo era tido como muito desafiador.

Uma característica iteana é a fome pelo desafio. Naquela época, eu não sabia sobre a jornada. Fui movida a tentar o ITA pelo desafio do vestibular em si. Estudei os primeiros seis meses sozinha em casa. Não entendia os enunciados das questões das provas antigas. Lembro de uma questão sobre "Leis de Kepler” – que hoje sei que é relativamente simples – e de não saber nem por onde começar a procurar.

Conversei com meus pais e decidimos procurar um preparatório – na internet, descobri que era o único – no meu estado. Só faltava uma semana para a prova de seleção e era preciso providenciar documentações. Foram anjos que me salvaram.

Primeiro, a secretária que me deixou fazer a prova sem documentos: a escola tinha atrasado a emissão, o Sedex não tinha chegado e o cadastro online tinha dado errado. O segundo anjo foi o taxista que meus pais contrataram, pois nenhum dos dois dirigia na rodovia. Esse senhor ficou o dia inteiro me esperando e, quando saí da prova, ainda me comprou um salgado. Modéstia à parte, o mineiro tem um coração gigante, não tem?

Não um ano, mas três

Pulo na história: fui para o preparatório. Vou dimensionar: na mesma sala, eu, que não sabia fatorar uma equação do segundo grau segundo suas raízes, e um menino três vezes ouro na OBF – Olimpíada Brasileira de Física (eu nunca tinha ouvido falar de OBF até aí). Lembro que não entendia muitas aulas. Certa noite, às 3 da manhã, deitei no chão da lavanderia chorando desesperadamente por causa de uma questão de matemática e liguei para minha mãe falando que aquilo não podia ser para mim.

Até aqui, por mais que a jornada seja difícil no começo, não há nada de muito diferente do que a maioria passa se não tiver tido um ensino de nível próximo ao da prova. Lembro com carinho dos colegas de turma, pois eram tão melhores que eu que foram as inspirações – sem nem saber – para que eu buscasse melhorar.

Nesse ano, eu não tinha a menor chance de passar no ITA. Agora você pensa: "Tranquilo, mais um ano com tanto esforço e vai dar certo.” Pois é: não foi mais um ano, foram mais três.

No começo, a gente aguenta o ritmo, porque ainda tem energia para gastar. À medida que os anos vão passando, a situação não é mais tão suportável e o desafio, motor inicial, não oferece o mesmo apelo mais.

O "sangue nos olhos” passa a estar muito mais associado a uma decisão racional e resiliente de continuar lutando pela aprovação.

E é aqui que eu queria chegar. É super legal passar no ITA – falo por experiência, foi um dos momentos mais emocionantes –, mas também existe uma parte de você que fica marcada pelo processo, ainda mais se ele durar anos. Não vejo muita gente falando sobre isso, você vê?

Vamos falar das dificuldades dos anos de cursinho: existem as dificuldades de cunho prático. Sua família tem condições financeiras de manter você estudando para o ITA? Ainda que haja mudança perceptível com os cursinhos online, o custo é grande. Ademais, temos o emocional. É difícil lidar com a sensação de estagnação que paira sobre os "veteranos de cursinho”. É difícil ver amigos começando e terminando faculdades enquanto você continua ali.

No quarto ano de preparação, eu me sentia tão velha que transparecia: meus amigos contam que eu me vestia como idosa, com casacos de lã. Além disso, não é fácil lidar com os comentários de que eu "ia me arrepender” de "perder” tantos anos da minha vida, especialmente se a aprovação no ITA nunca viesse.

O poder da garra

Graças a Deus, minha aprovação veio e só consigo imaginar como deve ser doloroso alcançar o limite de idade sem passar, e estar legalmente impedido de continuar tentando, não importa o quanto se queira e o quanto já se tenha investido – de tempo, de dinheiro e de esforço. Vi amigos nessa situação e era imensa a dor deles.

Ainda assim, este comentário introduz uma discussão relevante: isso de "perder” os anos.

Falo por experiência – e acho que os que percorreram uma jornada longa tentando o ITA vão concordar – quando digo que esses anos não são perdidos. Eles mostram o poder da garra.

Segundo a neurocientista Angela Duckworth, autora do livro Garra: O poder da paixão e da perseverança (um dos meus livros favoritos), a garra é justamente "ter uma meta com a qual você se preocupa tanto que ela organiza e dá sentido a quase tudo que você faz”. E por que ter aprendido o poder da garra foi importante? Em resumo: mostrei para mim mesma do que eu era capaz ao persistir tanto.

Bom, então os anos não foram anos perdidos (embora você sinta que talvez eles estejam sendo perdidos enquanto está lutando cheio de inseguranças sobre a aprovação), mas isso não significa que dói menos ser reprovado.

Dessa forma, enfrentar anos de cursinho ou atingir o limite de idade sem passar no ITA são cenários desafiadores.

Extrapolando, podemos justamente refletir sobre todo o sistema de vestibular que temos no Brasil hoje. É saudável para os jovens? O que será que a aprovação na prova do vestibular efetivamente "prova”?

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

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