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Companhia brasileira encena obra de Büchner na Alemanha

Marco Sanchez26 de junho de 2013

Em festival que comemora os 200 anos do nascimento do escritor e dramaturgo Georg Büchner, a companhia paulista [pH2] apresenta "STEREO FRANZ", sua versão do clássico "Woyzeck".

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Foto: Bruna Carvalho

A relação de Georg Büchner com a cidade alemã de Giessen, onde ele estudou, era complicada. O escritor, que morreu jovem – o que, para muitos, o impediu de figurar, ao lado de Goethe e Schiller, entre os grandes nomes da literatura germânica – associava a cidade à dor e tinha aversão por ela.

Assim, parece uma grande contradição comemorar os 200 anos de nascimento do escritor em Giessen. Mas, segundo a organização do festival Büchner International, que prossegue até 30 de junho, tentar fazer de Giessen a "casa" do escritor é uma homenagem indireta, no melhor estilo dos textos do autor.

O festival não apenas quer investigar Büchner além das fronteiras de Giessen, mas também dar ao público alemão a oportunidade de observar e entender como Woyzeck, uma das principais obras do autor, foi compreendida, adaptada e encenada em diferentes lugares do planeta.

Deutschland Büchner International Festival in Giessen Stereo Franz
"Woyzeck" discute questões sociais e políticasFoto: Carolina Mendonça

O evento apresenta encenações do texto feitas em oito países, como a África do Sul, Coreia, Ucrânia.

"No inicio do ano passado começamos a trabalhar com Büchner como provocação dramatúrgica. A partir desses workshops, ficou claro que o material que mais nos interessava era o Woyzeck. Coincidentemente, ficamos sabendo do festival", comenta a diretora Paola Lopes, em entrevista à DW Brasil. Ela é a responsável pela montagem brasileira de Woyzeck, que recebeu o nome de STEREO FRANZ.

Hipóteses políticas

Woyzeck é considerada a obra-prima de Büchner e foi deixada incompleta quando o dramaturgo morreu, em 1837, aos 23 anos. Desenvolvida em fragmentos, a obra trata das condições sociais da época e explora, de forma complexa, a pobreza. O texto é considerado um precursor do modernismo no teatro.

O autor discute questões sociais e política através do personagem Woyzeck, levado, pelas condições de seu meio, a cometer um crime. As cenas fragmentadas de Büchner formam uma tragédia naturalista, onde a crítica social se desenvolve em um debate sobre o livre arbítrio e o determinismo.

"Woyzeck foi escrito há quase 200 anos, mas ainda mostra muitas forças que continuam a atuar no ser humano, como o cientificismo e as relações de trabalho. Mas, nesses quase dois séculos, outras forças se encontram com essas pessoas, e são essas forças que apresentamos em STEREO FRANZ", afirma Lopes.

Deutschland Büchner International Festival in Giessen Stereo Franz
Espetáculo cria um jogo entre o espaço interno e externoFoto: Carolina Mendonça

A montagem brasileira é da companhia [pH2]. Criado em 2007, o grupo vem trabalhando a tragédia no mundo contemporâneo. "Queremos criar novas hipóteses com a palavra política. Büchner pareceu perfeito porque seus textos não são de um político datado e formalista. Foi um encontro esse paralelo temporal entre o que ele questionava e o que nós questionamos", explica a diretora.

STEREO FRANZ também aborda o texto a partir de uma crise da linguagem, na qual Woyzeck tem o que dizer, mas não encontra a forma, e quem domina a forma tem um discurso vazio. A peça utiliza 10 fragmentos dos 31 que compõem o texto original.

Fragmentos de sons e imagens

Em STEREO FRANZ, a relação entre o espaço aberto e o espaço fechado é essencial para a dramaturgia. "Em Büchner, a relação entre espaços privados e públicos é muito forte. Criamos um jogo entre espaço externo e interno. O público senta numa taverna, e a porta do teatro fica aberta para a rua. Tudo que acontece fora é filmado e mostrado dentro para quem não vê o lado de fora", diz Lopes.

O nome da montagem brasileira veio de uma atualização do nome do personagem e da dramaturgia sonora que a peça cria como elemento cênico, com uma banda tocando ao vivo na taverna que serve de cenário.

"O stereo vem da experiência sonora, que acontece em várias instâncias. Formamos uma banda que toca ao vivo durante o espetáculo. Há várias interferências sonoras agudas que representam as diversas interferências dentro da cabeça de Woyzeck", explica a diretora.

A construção fragmentada da narrativa do texto original se assemelha à linguagem cinematográfica. As referências contemporâneas na concepção da montagem brasileira são inspiradas em filmes radicais na sua estrutura e visual: Gummo, de Harmony Korine, e Attenberg, de Athina Tsangari.

Deutschland Büchner International Festival in Giessen Stereo Franz
Peça utiliza elementos da linguagem cinematográficaFoto: Carolina Mendonça

"Em Attenberg, apesar do ambiente realista, o filme é permeado por estranhamentos, e muitos deles estão não no plano principal, mas no fundo. Com a projeção de vídeos, imagens, a relação com o espaço e a interação com o público, retomamos essa ideia de vários planos. É uma aproximação mais cinematográfica com a encenação e a interpretação", conclui a diretora.

Com conflitos, estranhamentos e fragmentos, STEREO FRANZ busca não só atualizar Büchner, mas ressaltar sua atualidade e força política. Num momento de mudanças no Brasil, não existe melhor maneira do teatro brasileiro mostrar sua cara na Alemanha.

O espetáculo STEREO FRANZ será apresentado nos dias 27 e 28 de junho no Büchner International, em Giessen.