1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Cidades inteligentes devem ir além da tecnologia, diz urbanista

Sonia Phalnikar (ca)14 de novembro de 2014

Ricky Burdett, diretor do programa LSE Cities e da conferência sobre gestão urbana Urban Age, que acontece nesta semana em Nova Déli, falou à Deutsche Welle sobre os desafios de uma cidade justa e sustentável.

https://p.dw.com/p/1Dm2N
Neu Delhi
Foto: Stuart Freedman

Organizado pelo programa LSE Cities da London School of Economics and Political Science (Escola de Economia e Ciência Política de Londres) e pela Sociedade Alfred Herrhausen, o fórum Urban Age (Era Urbana) é uma conferência internacional interdisciplinar que investiga vários aspectos das cidades e do ambiente urbano.

Desta vez, a conferência de dois dias tem início nesta sexta-feira (14/11) na capital indiana, Nova Déli, com a participação de renomados acadêmicos, políticos, arquitetos, líderes empresariais e representantes da sociedade civil.

A Deutsche Welle conversou com Ricky Burdett, diretor do fórum Urban Age e do programa LSE Cities,autor de The Endless City (A cidade infinita, em tradução livre). Burdett é um dos maiores especialistas mundiais em planejamento urbano. Ele foi o consultor-chefe de Arquitetura e Urbanismo nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012.

Segundo Burdett, tornar uma cidade "inteligente" não envolve somente tecnologia, mas a resolução de algumas das questões mais fundamentais. O urbanista disse ainda que, em vez de criar novas cidades, muitas vezes é mais importante aperfeiçoar as existentes.

Deutsche Welle: Qual a importância da escolha de Nova Déli para sediar a conferência Urban Age deste ano?

Ricky Burdett: Temos realizado conferências em cidades ao redor do mundo, como Istambul, Rio de Janeiro, Mumbai, que estão crescendo rapidamente, mas também em Nova York e Londres, que estão mudando a sua fisionomia e o seu "DNA" por meio da migração e outros fatores. Não há dúvida de que Déli é um exemplo interessante dado o seu passado colonial, que se reflete na arquitetura vitoriana e malha urbana em Nova Déli. Além disso, trata-se de uma grande cidade em expansão com todas as suas dificuldades, como a ausência de habitação social estruturada e problemas significantes em termos de tráfego.

Há poucas cidades no mundo capazes de combinar tudo isso. Ao mesmo tempo, o sistema de metrô de Déli é um investimento fantástico, enquanto os riquixás motorizados e os sistemas de ônibus estão mudando para o gás natural. Essas são atitudes incrivelmente corajosas. E tem-se também um novo governo indiano falando sobre "smart cities", ou seja, cidades inteligentes. Tudo isso cria um contexto muito vibrante para a nossa discussão.

Ricky Burdett
Ricky Burdett dirige o programa LSE Cities em LondresFoto: LSE Cities

No início deste ano, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, anunciou um investimento de 1,2 bilhão de dólares em cidades inteligentes no próximo ano. O que você acha desse projeto, levando em conta a sua experiência como arquiteto e urbanista?

Eu acho o termo "cidades inteligentes" problemático, porque ele sugere aplicar alta tecnologia a uma coisa ou outra. Em alguns casos, tornar uma cidade inteligente não implica somente tecnologia, mas a resolução de algumas das questões mais fundamentais. E a tecnologia de informação pode ajudar a fazer isso. Mas eu não tenho certeza se a noção de computadorizar tudo com sistemas IBM ou Cisco é o que importa nas cidades indianas atuais. O que importa é o investimento em tecnologias inteligentes para ajuda a melhorar o transporte ou a forma de gestão da saúde pública, como também aumentar a qualidade de vida das populações existentes e não pensar apenas nas cidades futuras.

Na Índia, existem tantas pessoas vivendo em condições desastrosas em tantas cidades, de forma que é ali onde a inteligência precisa ser primeiramente aplicada. A minha compreensão é que as 100 cidades inteligentes não são pensadas como novas cidades cheias de arranha-céus e carros elétricos, como na Coreia do Sul, China ou Oriente Médio. Tais cidades são o epítome de cidades inteligentes. Mas elas são caras e não resolvem definitivamente os problemas enfrentados pelos indianos. Fiquei animado em saber que o plano indiano é centrado, na verdade, no aperfeiçoamento das cidades existentes. Certamente, isso será bastante debatido na conferência.

Você falou que estamos vivendo numa era da cidade infinita. Quais seriam alguns dos desafios enfrentados pelas grandes cidades modernas de hoje?

Cidades como Mumbai, Istambul, Lagos e São Paulo têm crescido mais rapidamente do que outras metrópoles internacionais como Londres ou Nova York. Lagos, por exemplo, tem ganhado cerca de 600 mil novos habitantes todos os anos. Isso representa uma taxa de aproximadamente 70 pessoas nascendo a cada hora ou se mudando para a cidade. O estresse que isso representa para a infraestrutura dessas cidades é sem precedentes. O preocupante é que muitas cidades africanas estão vivenciando um rápido crescimento populacional sem passar pelo processo de manufatura ou industrialização registrado na Europa e nos EUA no século 19.

Isso cria uma perigosa bomba-relógio social, na medida em que cada vez mais pessoas se mudam para as cidades e passam a viver em assentamentos informais sem acesso à infraestrutura básica, levando a profundas desigualdade e violência em alguns lugares. O outro grande desafio é em nível ambiental. Como motores da economia global, as cidades consomem enormes quantidades de energia e emitem um imenso volume de poluição. Por volta de 60% a 75% das emissões globais de CO2 provêm das cidades.

Essa é uma cifra enorme, e se pudermos pensar no projeto e gestão da próxima geração de cidades – o que não implica necessariamente a construção de novas cidades, mas o aperfeiçoamento e melhoramento do que já existe, particularmente nas grandes cidades, tornando-as mais ecológicas –, o potencial de redução do impacto sobre o planeta é dramático.

Existem cidades que acertaram em termos de enfrentar alguns desses desafios?

Absolutamente. A situação não é inevitável e pode ser abordada através de um bom planejamento e uma boa gestão urbana, mesmo quando os recursos são escassos. Uma das regiões mais inovadoras no Hemisfério Sul é a América Latina. Por exemplo, na Colômbia, com todos os seus problemas de violência e drogas, duas cidades se destacam – a capital, Bogotá, e Medellín. Ambas passaram por grandes mudanças nos últimos 15-20 anos na implementação de escolas, habitação acessível e de boa qualidade, bibliotecas, como também na introdução de sistemas de transporte, ciclovias, ônibus de trânsito rápido (BRT), ou seja, em vez de gastar quatro horas por dia para chegar ao emprego, o trabalhador precisa somente de 20 a 30 minutos.

Na Ásia, registra-se o maior número de investimentos desse tipo – Cingapura se destaca de todas as formas, tanto em seus pontos fortes quanto em suas limitações. Hoje, é uma cidade-Estado com cerca de 80% de seus cidadãos vivendo em habitações sociais, o que é um conceito extraordinário. Portanto, há um investimento na tentativa de resolver as necessidades fundamentais e evitar o problema da desigualdade profunda que ameaça tantas cidades. Outras partes da Ásia, como o Japão e muitas cidades chinesas, estão realizando, por exemplo, investimentos extraordinários em transporte público, o que faz uma grande diferença do ponto de vista da equidade e acesso ao emprego.

O tema da conferência deste ano é a governança urbana. O que é preciso para se fazer uma cidade de sucesso? Boa liderança ou arquitetos visionários?

Sou arquiteto, mas não acho que os arquitetos são solução. Para se ter uma ideia do caminho que uma cidade deve seguir, da forma que ela precisa se desenvolver, de quais são os seus valores, é preciso que haja líderes urbanos capazes de implementar mudanças, que geralmente vão de encontro à natureza das tendências nacionais. No caso da Espanha, por exemplo, o país tem enfrentado altos e baixos nos últimos anos, mas a cidade de Barcelona teve cinco prefeitos consecutivos que foram capazes de desenvolver e interpretar a visão de uma cidade muito dinâmica, muito aberta à migração internacional, criando empregos de alta tecnologia e melhorando a qualidade dos espaços públicos, de sua orla, etc.

Em Londres, desde 2000, tivemos dois prefeitos eleitos pelo voto direto que fizeram, em minha opinião, uma enorme diferença quanto à quantidade de dinheiro levantado do governo central. É o resultado de um prefeito batendo à porta do gabinete do primeiro-ministro. Um pequeno exemplo é que, agora, temos um sistema ferroviário público de 30 milhões de dólares, que deverá ser inaugurado em 2018. No entanto, isso nunca teria acontecido se não tivesse havido um prefeito fazendo lobby para tal.

Assim, liderança é fundamental. Ideias e visões urbanas são importantes, mas acredito que noções de equidade, sustentabilidade, de posicionamento ecológico são fatores extremamente importantes que às vezes transcendem a visão arquitetônica.