"Foi como um tsunami que arrastou tudo pela frente"
31 de maio de 2022As chuvas torrenciais que atingem o estado de Pernambuco, causando alagamentos e deslizamentos de barreira, já deixou mais de 100 mortos, dezenas de desaparecidos e milhares de desabrigados, segundo dados oficiais. Moradores relatam cenas de desespero, enquanto equipes de resgate correm contra o tempo em busca das vítimas.
"Não como nem durmo, foi uma dor muito grande", disse à agência de notícias AFP uma moradora do bairro Jardim Monte Verde, no limite das cidades de Recife e Jaboatão dos Guararapes, uma das áreas mais atingidas pelas chuvas em toda a região metropolitana da capital.
A tragédia no Jardim Monte Verde começou na manhã do último sábado (28/05), quando aconteceram os primeiros deslizamentos. Mais de 20 pessoas morreram só na região.
Lúcia da Silva foi retirada a tempo de não ser soterrada por um deslizamento na comunidade, mas seus vizinhos não tiveram a mesma sorte: 11 pessoas da mesma família morreram, e outra está desaparecida.
"Foi muito triste, foi como perder minha família. Moro aqui há 40 anos, eram pessoas que eu via desde pequena", conta a dona de casa de 56 anos. "Encontraram 11, vão ser enterrados, e uma menina de 32 anos está desaparecida, ainda não encontraram o corpo dela", acrescenta aos prantos.
No topo do morro ainda existem algumas casas de pé, mas alguns metros adiante vê-se um abismo recém-aberto, com uma espessa camada de lama que varreu tudo em seu caminho. No chão há escombros, pedaços de tijolos, roupas, brinquedos e outros pertences das vítimas.
"Como um tsunami"
Mário Guadalupe, de 60 anos, também escapou por pouco do desastre. "[O deslizamento] quase chegou à minha casa, vi tudo o que aconteceu", contou ele à AFP.
"Houve um primeiro deslizamento. Pensávamos que não cairia muito mais, mas em seguida veio uma nova torrente que foi como um tsunami, arrastou tudo pela frente", relata o aposentado, que mora no local há 40 anos.
A casa dele, milagrosamente preservada, agora é usada para armazenar alimentos para serem distribuídos às vítimas.
"Não foi uma tragédia anunciada, porque isso nunca havia acontecido antes", afirma. "O que entendemos é que é um fenômeno típico do aquecimento global, porque nunca caiu tanta chuva em tão pouco tempo", diz Guadalupe, temendo que outras tragédias semelhantes voltem a ocorrer. "É um grande aviso para o próximo inverno."
Meteorologistas atribuem as chuvas torrenciais que caíram nos últimos dias em Pernambuco a um fenômeno chamado "ondas do leste", comum nesta época do ano, com nuvens densas se deslocando do continente africano em direção ao litoral brasileiro.
Em poucas horas, entre a noite de sexta e a manhã de sábado, caiu 70% do volume total de chuvas previsto para todo o mês de maio.
Moradores denunciam descaso das autoridades
Indignados, alguns moradores atacaram o poder público. "Muitas pessoas aqui perderam tudo. Suas vidas, suas casas. Precisamos de remédios, comida", afirma Jailson Gomes de Souza, de 34 anos.
"É um pedido de socorro para o Jardim Monte Verde! Se vierem nos tirar daqui, têm que vir e dar uma solução, não é só chegar e fazer campanha eleitoral", declarou o pedreiro.
Alex Santos, de 45 anos, culpou as autoridades pelo desastre. "Em 25 anos que moro aqui, nada efetivo da prefeitura. Só dizem que está em projeto, em análise, e nada feito. Se tivessem feito, não teria tido isso", disse ele ao jornal Folha de S. Paulo.
"[Foi um] cenário terrível, de guerra. Muitas pessoas perdendo a vida. E no começo a comunidade buscando os corpos. Chegamos a resgatar alguns sobreviventes, mas que depois não resistiram", relata o ajudante de pedreiro, que teve que deixar sua casa devido ao risco de novos desabamentos.
O desastre
As chuvas em Pernambuco já deixaram ao menos 91 mortos, 26 desaparecidos e mais de 5 mil desabrigados, segundo o último balanço do governo estadual, divulgado na segunda-feira.
Mais dois corpos foram encontrados na tarde de segunda, um no Jardim Monte Verde e outro em Camaragibe, também no Grande Recife, elevando a cifra de vítimas para 93.
As buscas por vítimas chegaram ao seu quarto dia nesta terça-feira, mas parte das operações precisou ser interrompida durante a madrugada em meio ao risco de novos deslizamentos.
Ao menos 14 cidades já decretaram situação de emergência no estado.
"Essas catástrofes acontecem", diz Bolsonaro
Na manhã de segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro sobrevoou a região afetada, manifestou pesar pelas vítimas e anunciou liberação de verbas para municípios.
"Todos estamos, obviamente, tristes, manifestamos nosso voto de pesar aos familiares. Nosso objetivo maior é confortar os familiares e, com meios materiais, também atender a população", declarou o presidente em coletiva de imprensa.
"Tivemos problemas semelhantes em Petrópolis, no sul da Bahia, mais ao norte de Minas [Gerais], estive ano passado no Acre também. Infelizmente essas catástrofes acontecem."
ek/lf (AFP, AP, Agência Brasil, ots)