O silêncio causado pela ausência dos estudantes e as conversas pausadas no interior das salas de aula contrastam com o agito e a angústia de cinco dias atrás. Estamos em 10 de abril de 2023. É segunda-feira em uma das escolas da rede estadual de ensino localizadas em Blumenau, Santa Catarina. No último dia letivo, a unidade foi invadida por um adolescente. O fato se revelaria depois uma brincadeira juvenil inconsequente, mas coincidiu com a hora em que ocorreu o atentado ao Centro de Educação Infantil Bom Pastor.
Naquela manhã de quarta-feira, às vésperas das festividades de Páscoa, os professores estavam reunidos em torno de um café festivo. Logo após a oração do Pai-Nosso, puxada pela direção da escola, o clima alegre foi subitamente interrompido pelas notícias do ataque ao CEI Cantinho Bom Pastor. As primeiras informações começaram a chegar aos grupos de WhatsApp dos professores. O clima de terror de pronto se estampou nas faces de alguns docentes que tinham filhos ou conhecidos no CEI atacado.
As dificuldades de comunicação e de reação no interior da escola, somadas ao pavor causado por fake news que afirmavam se tratar de um ataque em série às escolas da cidade, ampliaram ainda mais a dramaticidade e o clima de pavor.
"Noções de defesa pessoal" para professores
O ambiente fúnebre invadiu o final de semana de Páscoa. Nas rodas de amigos, nas conversas de supermercado e nos grupos de WhatsApp, como não poderia deixar de ser, o assunto foi o ataque terrorista. Além de grupos de oração, uma vigília se formou em frente à Escola de Educação Infantil. E, claro, a propagação de fake news continuou. Tudo isso alimentava o ambiente de pavor e medo.
Como forma de reação, governos e autoridades políticas correram para anunciar medidas de enfrentamento à violência nas escolas. Mas não sem antes políticos e lideranças locais iniciarem uma peregrinação até o CEI para, de lá, em lives improvisadas, caçarem likes e externarem questionáveis votos de pesar às famílias enlutadas. Sobrou populismo e faltou ciência.
Dois dias após o ataque, o delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina vem a público anunciar que os professores do estado receberiam aulas com "noções de defesa pessoal". Da mesma forma que o líder do governo do município saiu propagando que a saída para a crise seria a implantação de portas giratórias nos educandários. Mesmo que, pelo padrão dos ataques, os agressores, por óbvio, não tenham entrado pela porta. Pularam o muro ou invadiram os espaços por acessos alternativos.
Promessa de seguranças armados nas escolas
Na segunda-feira, ao sair da escola, ouvi de um profissional da segurança que os professores deveriam portar, dentro de sala, um spray de pimenta, pois "assim poderiam se defender de vagabundo". No mesmo dia, o governador do estado, um ex-senador que ganhou a última eleição colado ao bolsonarismo e defendeu um governo notoriamente anticiência em plena CPI da Covid, anunciava que, em 60 dias, cada uma das 1.053 escolas estaduais teria em seu interior um profissional de segurança armado. Parte dessas vagas deverá ser ocupada por ex-policiais aposentados.
A medida foi saudada nas redes sociais. Os professores da rede estadual de ensino agendaram uma assembleia da categoria nesta semana, e entre as pautas de reivindicação está a luta contra 14% de taxação previdenciária que a Assembleia Legislativa do estado impôs aos trabalhadores da educação aposentados.
A escola invadida pelo adolescente sequer possui sede própria, nem mesmo um único laboratório, não há sala de informática, a biblioteca está improvisada em uma antiga cozinha. Não raro, as salas de aula são ocupadas por mais de 50 estudantes, por falta de espaço físico. Mas agora a unidade terá um segurança armado.
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1
Este texto, escrito pelo cientista social e professor de ensino médio e superior Josué de Souza, de Blumenau/SC, reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.