Anistia Internacional acusa Myanmar de apartheid
21 de novembro de 2017Desde a abertura política de Myanmar, em 2011, houve diversos tumultos contra muçulmanos, em especial contra a minoria étnica dos rohingyas, que vive no estado de Rakhine, no noroeste do país. Em 2012, distúrbios na região resultaram na morte de quase cem pessoas, na destruição de 5 mil casas e no deslocamento de 75 mil pessoas.
Em 25 de agosto de 2017, a situação voltou a se acirrar. O chamado Exército de Salvação Rohingya de Arakan (Arsa), que diz se empenhar pela autonomia dos rohingyas, atacou diversos postos das forças de segurança de Myanmar e, segundo o governo, matou 12 pessoas. O Exército reagiu duramente. Como consequência, 600 mil pessoas da etnia muçulmana fugiram para Bangladesh.
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As Nações Unidas falaram em limpeza étnica, mas, após um investigação, divulgada em 13 de novembro, os militares negaram qualquer violação das Convenções de Genebra, que definem regras para a proteção de civis em caso de guerra ou conflito armado.
Com base nessa situação, a organização de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional (AI) elaborou um relatório sobre as causas da crise. Divulgado nesta terça-feira (21/11), o documento intitulado Caged Without a Roof (Encarcerados sem teto, em tradução literal) se baseia em pesquisas realizadas entre novembro de 2015 e setembro de 2017, de acordo com a AI.
Por quatro vezes, a Anistia visitou Rakhine, conduziu mais de 200 entrevistas, avaliou a literatura jurídica e acadêmica sobre o tema e analisou um amplo acervo de fotos e vídeos. As análises focam no período após 2012.
Apartheid em Myanmar
O relatório da Anistia Internacional segue o tom adotado por outras organizações de defesa dos direitos humanos, como a Human Rights Watch ou a Fortify Rights. As forças de segurança de Myanmar seriam responsáveis por assassinatos, tortura, estupros e o incêndio de vilarejos inteiros a partir de agosto de 2017. A Anistia destaca que se trata de crimes contra a humanidade. Os dados têm como base testemunhos oculares de refugiados, já que o governo de Myanmar não permite o acesso de observadores internacionais à região em crise.
Mas o relatório da AI tem um aspecto novo: a acusação de que "o governo de Myanmar, no mínimo desde os distúrbios de 2012, construiu ativamente um regime de apartheid [em referência ao regime de separação racial que existiu oficialmente na África do Sul no século 20]".
A acusação já havia sido feita, por exemplo numa matéria do diário The New York Times, em maio de 2014, ou num relatório da fundação alemã Asienhaus (Casa da Ásia, em tradução livre), no final de 2015. No segundo caso, porém, era acompanhada de um ponto de interrogação.
Discriminação sistemática
A acusação de apartheid é detalhadamente justificada pela Anistia Internacional. Após os distúrbios de 2012, as forças de segurança de Myanmar teriam separado partes budistas e muçulmanas da população. Dezenas de milhares de muçulmanos teriam sido enviados a campos de refugiados.
"Desde então, eles sofreram restrições severas em quase todos os aspectos de suas vidas. Por mais de cinco anos, seus direitos humanos foram constantemente negligenciados – entre eles, o direito à liberdade de ir e vir, o direito à nacionalidade, a acesso adequado a serviços de saúde, o direito à educação, ao trabalho e à alimentação", diz o texto.
Durante as pesquisas, teria ficado claro que a segregação e a discriminação de muçulmanos são parte de um sistema institucionalizado. "No caso dos rohingyas, trata-se de um ataque grave, amplo e sistemático a um grupo étnico. [Esse ataque] é tão claramente ligado à identidade étnica que, do ponto de vista legal, é preciso falar em apartheid", afirma a Anistia.
O relatório continua: "O regime de apartheid foi criado e mantido por leis, regulamentos e decretos, mas também por práticas não explícitas das autoridades." Segundo a AI, o objetivo consciente do governo e dos militares em Myanmar sempre foi dominar os rohingyas. A intencionalidade das ações das autoridades e do Exército é fundamental para a acusação de apartheid.
Exigência de reintegração
O apartheid é categoricamente proibido pelo direito internacional. A convenção antirracismo de 1965 e a Convenção Internacional sobre a opressão e punição do crime de apartheid, de 1973, não deixam dúvidas. Apesar de Myanmar não ter assinado nenhuma dessas convenções, elas são parte fundamental do Direito Internacional Consuetudinário – e, por isso, aplicáveis ao caso de Myanmar.
Na parte final do relatório, a Anistia Internacional exige, entre outras coisas, que se concretizem as sugestões elaboradas pela comissão liderada pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan para o estado de Rakhine e destaca uma citação da comissão: "Reintegração, e não segregação, é o melhor caminho para uma estabilidade e um desenvolvimento de longo prazo no estado de Rakhine".