Adeus “Aufbau”?
15 de abril de 2004Os recursos de que o Aufbau dispõe não foram suficientes nem mesmo para garantir a última edição, encolhida, por força das circunstâncias, à versão online. Embora uma publicação apenas via internet não seja de forma alguma o objetivo dos editores. “Pois temos uma predileção muito especial por nossa clássica edição impressa”, conta Ines Hirschfeld, coordenadora da redação berlinense do Aufbau.
De guia prático a pódio de discussãoFundado por imigrantes judeus alemães em 1934, em Nova York, o Aufbau (Construção) fez história. Antes da Segunda Guerra Mundial, serviu como uma espécie de porta-voz da comunidade judaica, que chegava aos EUA em fuga da Alemanha durante a ascensão nazista. O jornal fornecia na época informações práticas aos recém-chegados, como dicas de como encontrar trabalho, casa, etc.
Mais tarde, o então semanário Aufbau acabou se transformando em pódio de discussão política e cultural para os exilados, tendo tido entre seus colaboradores nomes como Albert Einstein, Hannah Arendt, Thomas Mann, Theodor Adorno e Stefan Zweig.
Durante a guerra, o Aufbau chegou a ter uma tiragem de 50 mil exemplares, trazendo informações sobre o Holocausto, inclusive listas de deportados. Alguns destes textos serviram de testemunho histórico durante o julgamento dos criminosos de guerra nazistas no Processo de Nurembergue, após o fim da guerra.
“Procura-se”
Nos primeiros anos do pós-guerra, o semanário ainda conseguiu manter uma boa tiragem. Entre os pontos altos da publicação, estavam os anúncios de “procura-se”, em que judeus espalhados pelo mundo tentavam reencontrar parentes ou amigos. O registro da memória coletiva e a tarefa de escrever o capítulo da história sobre o Holocausto foram as prioridades da publicação durante as décadas de sua existência.
Nos últimos anos, com uma tiragem reduzida a dez mil exemplares, o Aufbau se transformou numa importante plataforma política e intelectual, aberta a reflexões sobre a vida cultural tanto na Europa, quanto nos EUA e em Israel.
Recife: primeira sinagoga das Américas
Sua última edição, por exemplo, tem a “guerra contra o terrorismo” entre os principais assuntos tratados, além de abordar as divergências transatlânticas entre os governos norte-americano e alemão, refletir sobre o conceito de “judeu alemão” e relembrar a construção da primeira sinagoga das Américas, erguida em Recife, no século 17.
"Após a fuga dos judeus da Inquisição, a sinagoga caiu no esquecimento e só foi redescoberta em 2000", pode-se ler no Aufbau. Fundada por judeus portugueses, que haviam migrado para Amsterdã para fugir dos inquisidores, a sinagoga foi o centro religioso de uma comunidade judaica no Brasil. Esta teve seus áureos tempos durante a ocupação holandesa de Pernambuco, que estabeleceu em Recife a liberdade religiosa.
Público-alvo se extingueO público-alvo do Aufbau, no entanto, parece estar fadado a desaparecer. Os filhos e os netos de judeus alemães hoje não dominam o idioma alemão. Diante disso, o semanário passou a publicar cada vez mais artigos em inglês. “Os leitores tradicionais estão se extinguindo. Precisamos repensar como chegar à segunda e terceira gerações de leitores, que não têm mais ligações com a Alemanha”, observa Ines Hirschfeld.
Essas novas gerações têm suas redes sociais nos EUA, muito menos interesse nas raízes alemãs de seus antepassados e, com isso, na leitura de um periódico como o Aufbau. Na Alemanha, o jornal conseguiu aumentar seu número de leitores após a abertura de uma redação em Berlim, inaugurada em 2002.
Embora isso não baste: sem um investidor que garanta sua sobrevivência, o tradicional Aufbau corre o risco de ter mesmo que fechar as portas. E se transformar em apenas um registro histórico. E numa página arquivada na internet.