Os "soldados judeus" de Hitler
29 de setembro de 2003Quando viajava pela Alemanha logo após ter iniciado seu curso de História na Universidade de Yale, Bryan Mark Rigg descobriu, por acaso, que sua mãe protestante tinha raízes judias. Na conversa informal com um ex-combatente das Forças Armadas alemãs durante a Segunda Guerra Mundial, Rigg ouviu a biografia de um descendente de judeu, que lutou em defesa do regime nazista.
O tema, que não mais abandonou o estudante de História, foi retomado em 1996, quando Rigg terminou sua graduação com uma tese dedicada à saga dos soldados do Wehrmacht (Exército alemão), que tinham ascendência judia. Em seguida, o historiador dedicou ao tema sua dissertação de doutorado na Universidade de Cambridge, de onde pesquisou histórias semelhantes à do velho conhecido de sua mãe.
História oral -
Sem saber ao certo se os destinos que analisava eram esporádicos ou um fenômeno que atingia um número representativo de pessoas, Rigg falou com testemunhas e ex-combatentes na Alemanha, Áustria e em toda a Europa Meridional. O trabalho resultou em mais de 400 entrevistas com ex-combatentes alemães de origem judia, entre eles o ex-chanceler federal alemão Helmut Schmidt e o político e jornalista Egon Bahr.Os encontros, documentados em vídeo por Rigg, foram o ponto de partida do trabalho, que se baseia em grande parte na "história oral" relatada pelos ex-soldados. Quatro questões básicas conduziram o autor: qual alcance teve a teoria de raças nazista dentro do Exército, da Marinha e da Aeronáutica durante a Segunda Guerra?
Como as Forças Armadas lidavam com a presença dos judeus ou dos considerados "mestiços" (Mischlinge) de judeus e não judeus durante a Guerra? Quais motivos levavam alemães de descendência judia a vestir o uniforme de um regime que ameaçava e exterminava seus próprios parentes? O que sabiam eles realmente do holocausto?
Proteção ou nacionalismo cego -
Segundo as respostas registradas por Rigg, alguns dos judeus que fizeram parte do Wehrmacht viam ali um espaço de proteção para si próprios, de onde podiam escapar das perseguições raciais do regime.Outros "mestiços" (Mischlinge), cujas famílias seguiam tradições militares e nacionalistas, optaram pela defesa da Alemanha na guerra por omissão. Ou seja, por pura falta de reflexão de suas raízes judias. Um último grupo teria se mantido como parte das Forças Armadas, com o intuito de proteger parentes judeus das atrocidades dos nazistas durante a guerra.
A estimativa que resulta da tese de Rigg é de que pelo menos cem mil combatentes do Wehrmacht teriam antepassados judeus, sendo que a maioria destes seria "assimilada" e batizada segundo costumes cristãos. Entre os envolvidos estariam não apenas soldados, mas oficiais e generais, alguns até mesmo condecorados com medalhas de reconhecimento pelos nazistas.
Elogios e críticas -
Os comentários sobre o volume Os Soldados Judeus de Hitler vão desde elogios, que delegam ao autor o mérito de ter iluminado um capítulo ainda praticamente ignorado da história da Alemanha nazista, a críticas veementes.Entre os que não vêem com bons olhos a iniciativa de Rigg, estão historiadores que consideram a pesquisa uma perda de tempo ou mero sensacionalismo, considerando que a presença de alguns descendentes de judeus entre os soldados nazistas não muda em nada a visão histórica sobre o alcance do holocausto e das barbaridades cometidas durante o Terceiro Reich. Sem contar que a denominação de "judeus" para muitos dos ex-soldados em questão seguiria meramente os critérios raciais estabelecidos pelos nazistas.
Há ainda os que acusam Rigg de procurar um "sucesso rápido", através da "divulgação excessiva" de suas pesquisas. A defesa do historiador aponta que a idéia partiu de seu orientador na tese de doutorado, que via na campanha junto à imprensa maiores chances de contato com ex-soldados e testemunhas da Segunda Guerra. No mais, afirmam os defensores de Rigg, a idéia do título do volume partiu de sua editora. Esta sim, movida por questões de marketing.