Silenciamento de crimes contra mulheres em Cabo Delgado
19 de abril de 2023São centenas os casos de violência contra a mulher, rapariga e crianças que são atendidos nos hospitais de Cabo Delgado. Mas depois do atendimento, muitos não chegam a ser encaminhados à justiça, apesar dos incentivos nesse sentido.
Argentina Ismael, enfermeira do hospital rural de Montepuez, e responsável distrital da área de violência baseada no género, conta que tem atendido vários casos de violência especialmente contra a mulher e a rapariga.
"Os casos de violência baseada no género na verdade no distrito de Montepuez. Temos registado no mínimo mensalmente 30 casos, desde a violência física, psicológica e sexual", revela.
Após a entrada dos casos de violência da unidade, Argentina Isamel diz que imediatamente se inicia o processo de exames e respetivo tratamento: "Quando recebemos, primeiro damos os primeiros socorros, apoio psicossocial, tratamento das lesões. Depois sensibilizamos as sobreviventes a fazerem denúncia."
Silêncio prejudica vítimas
Apesar da sensibilização, muitas vítimas e respetivos familiares optam por não denunciar os infratores. Um silêncio que custa caro à prossecução dos respetivos processos criminais contra os violadores e consequente combate ao fenómeno, afirma Lino António, diretor distrital do Serviço Nacional de Investigação Criminal em Montepuez.
"A própria sociedade ainda precisa ser devidamente informada, para mudar a mAneira de pensar e ver as coisas e passar a assumir essa responsabilidade de colaborar e denunciar os casos. Porque se isso não acontece, não estaremos a fazer nenhum trabalho. Por mais que a gente esteja preocupada em querer combater a violência baseada no género, se a informação não chega a nós é muito difícil."
A par da violência baseada no género, estão também no centro das preocupações na província de Cabo Delgado as uniões prematuras. A juíza presidente do Tribunal Distrital de Montepuez, Graziela Carlos, lamenta que, embora sejam práticas recorrentes nas comunidades, a sociedade prefera mantê-las em silêncio.
"Há relatos da existência de casos na comunidade, mas ao nível do setor de justiça, no tribunal, essas denúncias não estão a chegar", sublinha a magistrada.
Um dever legal
Mas o que estará na origem deste silêncio? A juíza Graziela Carlos aponta como uma das causas a falta de conhecimento da sociedade, incluindo os servidores públicos, do dever legal que têm de denunciar sempre que tiverem conhecimento de alguma união prematura ou da violência baseada no género.
Mas não é apenas isso. "Levantou-se aqui a questão da proteção dos denunciantes. Algumas pessoas têm o conhecimento, mas não sabiam que existia uma lei ou mecanismo de fazerem uma denúncia anónima. E ainda estamos enraizados naquelas práticas culturais", explica.
Segundo a jurista e delegada da Associação Moçambicana de Mulheres de Carreira Jurídica em Cabo Delgado, Augusta Iaquite, alguns líderes comunitários são coniventes em casos de uniões prematuras. "Enquanto forem eles a dizer não à realização, a consumação da união, nós acreditamos que poderemos eliminar ou pelo menos diminuir as uniões prematuras", considera.
"Nas nossas comunidades as pessoas têm mais respeito pelos líderes, eles constituem figuras influentes e sendo eles influentes, podem dizer sim ou não às uniões e à violência baseada no género", conclui.
A Associação Moçambicana de Mulheres de Carreira Jurídica está a formar pontos focais de instituições públicas, líderes comunitários e organizações da sociedade civil, em matéria de violência baseada no género e a legislação de prevenção e combate a uniões prematuras. O objetivo é unir sinergias para acabar com estes males que retardam o desenvolvimento das comunidades, com enfoque para o das mulheres e raparigas.