Nenhum movimento consegue parar adesão da Guiné Equatorial à CPLP
4 de julho de 2014Os signatários reprovam a decisão forçada por interesses económicos e a perda de valores democráticos no seio da organização, cuja presidência está nas mãos de Moçambique.
O escritor timorense, Luís Cardoso, é uma das mais de 50 individualidades que assinaram uma Carta Aberta, para mostrar total desagrado à provável entrada da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), onde goza do estatuto de observador.
O grupo de signatários não quer ignorar os factos, afirma Cardoso em entrevista à DW África: "De facto, temos visto e ouvido notícias, tanto nos jornais como na televisão e rádio, sobre o que se passa na Guiné Equatorial, e por esse facto não podemos ficar indiferentes."
O ex-professor, há 40 anos em Portugal, junta-se a vozes de políticos, economistas, sociólogos, arquitetos, investigadores, artistas e músicos como o brasileiro Chico Buarque para lamentar a falta de transparência em todo o processo de admissão do país africano, chefiado pelo Presidente Teodoro Obiang Nguema.
Subversão dos princípios da CPLP?
Para o escritor "não foi um processo transparente", e por isso conclui: "Nesse sentido vejo que uma organização que foi feita na base de princípios está a subverter toda a sua dimensão para a vertente económica da situação que emperra a Guiné Equatorial, e ao mesmo tempo um país que tem dinheiro."
Luís Cardoso compara ainda: "Eu perguntaria se o Zimbabué tivesse feito o seu requerimento para a admissão da CPLP, os países aceitariam?"
De acordo com a organização não-governamental Human Rights Watch (HRW), um cidadão italiano, ex-parceiro de negócios do filho mais velho do Presidente Obiang, está injustamente sob custódia desde janeiro de 2013, a mando do regime de Malabo, que inclusive lhe nega o direito ao tratamento médico.
Para Luís Cardoso, estão em causa os valores da democracia e de defesa dos direitos humanos: "Obviamente que os valores dos direitos humanos e democráticos que estão na constituição da CPLP foram totalmente esquecidos."
Exclusão é a solução?
E a situação causa algum desconforto ao escritor, que revela que "como timorense, dado que vai ser em Timor-Leste a realização da cimeira que irá fazer essa admissão, fico um bocado constrangido."
Confrontado pela DW com a notícia de prisão do cidadão italiano, Roberto Berardi, o secretário executivo da CPLP, Murade Murargy, questiona: "Agora uma pergunta, se vocês abrirem o relatório da HRW, vejam lá quantos países estão lá, todos nós estamos lá, mas tudo é possível?"
Murade Murargy diz que "é fácil comprar jornais e meter notícias lá dentro."
Mas ele está certo de uma coisa: "Aquilo que os Estados membros exigiam nós cumprimos em consciência. Não é deixando a Guiné Equatorial fora do grupo que vamos resolver os problemas da Guiné Equatorial."
Por outro lado, Luís Cardoso lamenta, que o Fórum dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), recém constituído em Luanda, Angola, tenha também apadrinhado uma proposta de adesão de Malabo no seio do grupo dos 5.
Guebuza destaca cumprimento de critérios
Esta semana, em Lisboa, falando de desafios, o presidente em exercício da CPLP, Armando Guebuza, Presidente de Moçambique, desvalorizou os receios quanto à admissão da Guiné Equatorial como membro de pleno direito, ao afirmar que o alargamento da Comunidade reforça a mundialização da língua portuguesa.
Guebuza recorda que "um dos receios do alargamento, provavelmente justificado, é que o mesmo tenderá a diluir o peso identitário que a língua portuguesa representa" e acha que é uma hipótese a considerar, mas defende que tudo pode ser ultrapassado: "Estamos convictos que os ganhos com um alargamento criterioso poderão superar esses receios."
Segundo Guebuza, a mundialização da língua comum contribui para o sucesso da diplomacia económica e para a internacionalização que o processo de globalização impõe.
As palavras do chefe de Estado moçambicano são claramente a confirmação de que não haverá retrocesso, depois do Conselho de Ministros da organização ter recomendado, em fevereiro deste ano, em Maputo, a aprovação da adesão na cimeira de chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros, prevista para o próximo dia 23, em Timor-Leste.