Música lusófona é ainda amplo mercado a explorar
24 de novembro de 2017As redes sociais e outras tecnologias só aumentaram o acesso do público ao material produzido por artistas dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Na rede, por exemplo, é possivel conferir o trabalho de jovens talentos como o DJ Van Der, nascido em São Tomé e Príncipe. Ele mistura música electrónica e elementos culturais do arquipélogo de onde veio.
Van Der, de 27 anos, cresceu nas periferias de Lisboa, numa comunidade densa de africanos que têm origens em países lusófonos. E assim começou um intercâmbio cultural.
"Apesar de termos origens diferentes (porque os nossos pais tinham origens diferentes), conseguimos absorver as culturas uns dos outros, conseguimos criar uma comunidade muito unida. A música foi muito importante nisso. Nós vivíamos em bairros sociais, crescemos em barracas dos anos 1990 e o sentimento de comunidade lá sempre foi muito forte. Era muito fácil um vizinho tirar as colunas de casa, pô-las na rua e começar a passar música, as pessoas aparecerem e começarem a dançar. Sem preconceito nenhum, o sentimento maior era de africanidade", lembra o músico.
"O papel de um DJ é importante, porque são as pessoas quem mudam a realidade. Para sentir que fazem parte de alguma coisa, as pessoas precisam de ter algo que as façam integrar-se. E na música isso é mais fácil de acontecer", pontua Van Der.
O músico são-tomense participou no Festival Tanto Mar (18.11), realizado pelo Centro Mundo Lusófono, agregado à Universidade de Colónia, na Alemanha. O evento comemorou os 85 anos do Instituto Luso-Brasileiro da Universidade.
"Falta o contacto físico, um elemento importante" na promoção da música, destaca o produtor cultural João Martins, que organizou o festival. Foi precisamente para promover o contacto com artistas lusófonos e de outros países que o festival, pela primeira vez, teve lugar fora do ambiente académico.
"Tanto Mar" para aproximar distâncias
Para o alemão Sebastian Iken, um dos organizadores do Festival Tanto Mar e professor do Centro Mundo Lusófono, o evento serve como "uma plataforma" em que músicos dos PALOP se poderão apresentar, "desde que os artistas estejam interessados em vir para a Alemanha, que as condições sejam favoráveis para viagens (vistos e passaporte), que possam realmente sair do país". Sebastian Iken adianta ainda que está em vista um outro projeto para o ano de 2018.
"Pessoalmente, eu conheço a música cabo-verdiana e a guienense que são, de certa forma, artes ainda pouco conhecidas. É um mercado ainda a explorar", sublinha o professor Sebastian Iken.
Aproximar artistas
No espaço da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) ainda há barreiras burocráticas que, de alguma forma, eventos como o Festival Tanto Mar ajudam a eliminar, juntando artistas.
Para o produtor cultural João Martins, só ouvir músicas não basta. "A nossa ideia foi precisamente dar a conhecer esta cultura que existe hoje e que é excelente, que tem as especificidades de cada lugar, que de alguma forma nos une e que muitas vezes desconhecemos", explica.
O grande objetivo de João Martins, ao organizar eventos como o Festival Tanto Mar, é "que as pessoas entrem em contacto, que não é unicamente mediado pela internet, mas um contacto pessoal com os músicos e que se estabeleçam laços de amizade" que possivelmente resultem em "futuras colaborações artísticas", de forma a dar a conhecer a produção artística nos países lusófonos.
A música como causa social
Para o DJ Van Der, a música é muitas vezes uma questão de afirmação pessoal e social, um escape. "No nosso caso [na periferia de Lisboa], a música uniu e suavizou os problemas" e é ainda "uma forma de mudar a mentalidade".
"Quantos miúdos começaram a produzir este tipo de música de forma autoditada em casa? Muitos deles, se calhar, tinham um estilo de vida que na altura não viam, mas não era bom, por questões estruturais. Porém ouvem música, começam a focar [num objetivo], em vez de estarem na rua. E hoje em dia, conseguem até viver da música. E aquele caminho que poderia ser mau já não vai acontecer mais", descreve o DJ.
Para Van Der, tem que haver uma mudança estrutural na forma como se encara a música, que não venha apenas dos países ocidentais e que não seja de influência europeia ou americana.
A edição do Festival Tanto Mar deste ano contou com o coral Vozes do Brasil e com o grupo de teatro Lusotaque.