Lisboa-Hamburgo: Lugares de memórias (pós-)coloniais
6 de maio de 2021Integrado num ciclo de debates online - que começou quarta-feira (05.05) e termina sexta-feira (07.05) - vários convidados, entre investigadores, ativistas e jornalistas, estão a contribuir com a sua reflexão sobre a importância das memórias pós-coloniais nas cidades de Lisboa e Hamburgo.
Espelhando a realidade destes dois espaços metropolitanos europeus, os promotores da iniciativa pretendem estimular o pensamento crítico sobre a cidade e as suas relações de colonialidade.
Marta Lança, curadora do projeto "Lisboa-Hamburgo: Lugares de memória (pós-)coloniais", diz à DW que a ideia é desvendar as marcas da colonialidade na própria geografia da cidade.
"Este projeto parte dessa ideia de espelho com uma cidade alemã, que também é uma cidade portuária e que teve relações coloniais no [período do] comércio esclavagista", conta.
A responsável acrescenta que Hamburgo foi também "uma das primeiras cidades a pensar a questão das políticas de memória e como as cidades podem ter uma postura crítica sobre o seu passado violento e como é que isso pode ser acessível ao cidadão para conhecer melhor as suas ruas e a sua memorialística".
No que toca a Lisboa, alguns das muitas referências consideradas neste projeto são a Casa dos Estudantes do Império, o Memorial às Pessoas Escravizadas, São Bento e Poço dos Negros, bem como o Bairro do Mocambo e a Sociedade Portuguesa de Geografia, entre outros.
Repensar Lisboa
A abordagem abarca as questões raciais e de inclusão, mas também de pertença e de representação, adianta a investigadora portuguesa: "se as pessoas se sentem representadas, se sentem que a cidade e a memória pública da cidade têm simbolismos, monumentos e memoriais, e se toda a memória pública lhes diz respeito, se há coisas que as violentam nesta memória coletiva".
Marta Lança defende a necessidade de "repensar a cidade que temos e como é que ela pode ser memorializada", olhar de outra forma para "alguns lugares canónicos" e analisar "o que divide e separa certas pessoas de uma ideia de cidade, de Metrópole, de relações de poder do antigamente e que perduram e que têm essas marcas".
O painel desta quinta-feira (06.05) contou com os contributos de Nádia Yracema, Kalaf Epalanga, José Baessa de Pina.
O debate desenvolveu-se à volta da temática da luta anti-colonial e a inscrição africana e afrodescendente no espaço metropolitano, com o angolano Kalaf a insistir sobre a importância de se criar um Museu da Kizomba, estilo musical dançante oriundo de Angola.
Entre os convidados, Nádia Yracema, atriz angolana com vivências entre Angola, Alemanha e Portugal, fala da cidade onde foi fazer o curso de teatro e cinema: "Com Lisboa tenho esta relação de vivência já há cerca de 10 anos. É o espaço que me habita, é o espaço que me inspira também para todas as minhas criações".
E lista: "A questão da vivência, daquilo que a cidade tem e representa, não só a multiplicidade de pessoas que a habitam, de histórias e narrativas que a habitam, mas também da própria arquitetura do espaço: os monumentos que ela tem, o que é que significam para a cidade e para aqueles que a vivenciam".
Ouvir outro tipo de narrativa
Nádia Yracema propõe "uma oportunidade de ouvirmos outro tipo de narrativas sobre aquele mesmo lugar, sobre aquele mesmo monumento. No fundo, é trazer essas histórias que não são ouvidas e que não são faladas para a discussão em sociedade".
Contra a versão unilateral da História, nomeadamente dos descobrimentos portugueses retratados nos monumentos em Lisboa, Nádia defende que é necessário conhecer o outro lado dos acontecimentos, que não é contado. É nesse âmbito que acha que pode intervir pela via do diálogo para que se conheça o outro lado da História da cidade.
"É uma cidade de oportunidades e de diálogo. Acho que isso é positivo. Acho que é uma cidade que está disposta a repensar-se hoje em dia. Há uma abertura para esse repensar do que é esta cidade e o que é que ela pode ser mais ainda", considera.
Nesta sexta-feira (07.05), último dia, os convidados debatem as estratégias para descolonizar a cidade, a pensar no futuro.
Os debates são transmitidos pelo Facebook do Goethe-Institut Portugal, e das parceiras Buala, Teatro do Bairro Alto (TBA) e EGEAC. O projeto conta com consultoria de Inocência Mata, Judite Primo, Flávio Almada, Isabel Castro Henriques e António Sousa Ribeiro. Em Hamburgo, conta com a consultoria de Hannimari Jokinen, Noa K. Ha, Anke Schwarzer e Jonas Prinzleve.
Página com lugares de memória
Segundo Marta Lança, o próximo evento será de caráter internacional.
A investigadora diz que "este primeiro encontro é mais focado em Lisboa. Acaba com o antropólogo Miguel Vale de Almeida e Maria Paula Meneses e Noa K. Ha, uma alemã que já vai fazer a ponte com o segundo evento que será uma conferência internacional, nos dias 30 de junho e 1 de julho, onde se debaterá as várias estratégias de várias cidades em confronto sobre estas políticas de memória".
O projeto digital propriamente dito contempla um site a ser lançado entre finais de maio e início de junho com a identificação de cerca de 25 lugares de memória.
A página apresentará mapas digitais das cidades de Hamburgo e Lisboa, onde irão sucessivamente ser publicados diversos conteúdos e lugares de memória, incluindo entrevistas, ensaios, podcasts e audiovisuais com abordagens que contextualizam, analisam e acrescentam contranarrativas ao processo de memorialização do espaço urbano.
De referir que incorporam a vertente visual do projeto as fotografias e vídeos dos angolanos Rui Sérgio Afonso e ilustrações e pinturas de Francisco Vidal, entre outras contribuições.