Memória histórica e colonial em foco em Lisboa
27 de setembro de 2019As entidades competentes da Guiné-Bissau estão a trabalhar para a preservação da memória histórica registada em cinema, abrangendo a luta contra o colonialismo português, entre 1961 e 1974.
O manancial existente servirá para mostrar à jovem geração, incluindo historiadores e professores, o que foi a luta de libertação e o passado colonial – diz à DW Sana Na N'Hada.
"Já houve uma intervenção da Filipa César para salvar 40% daquilo que existia, que nós dizemos durante a guerra anti-colonial," recorda.
Em Lisboa, o realizador guineense participou no debate promovido pelo Instituto Alemão, a Culturgest e a Cinemateca Portuguesa sobre a importância da preservação da memória histórica e colonial.
O conterrâneo do conhecido cineasta Flora Gomes veio a Portugal falar precisamente do processo de salvamento do arquivo cinematográfico da Guiné-Bissau.
"Flora e eu filmamos o processo da luta pela existência do nosso país que fez 46 anos esta terça-feira [24 de Setembro]," conta.
Cinema e memória
Desde 2011, que Filipa César tem vindo a investigar as origens do cinema ligado ao movimento de libertação na Guiné-Bissau, contribuindo também para a digitalização das películas em 2012, numa altura conturbada para o país com o golpe de Estado de 12 de abril. A cineasta portuguesa considera ter-se dado um passo importante para a conservação deste património.
"Portanto, o que fizemos foi basicamente só digitalizar o material. Ele está arquivado em Bissau, mas também há uma cópia em Berlim [Alemanha]. Pelo menos, são documentos importantes deste processo de libertação e também do início, dos primeiros anos da constituição da nação com o Presidente Luís Cabral," afirma.
Entretanto, acrescenta, caberá ao Governo local encontrar meios para tornar este material acessível à população guineense e a todos os demais países interessados em estudar o processo histórico da Guiné-Bissau.
Filipa César concorda com uma eventual ideia de organização de um museu coletivo dos países de língua portuguesa sobre este passado colonial e as respetivas independências.
"Acho que sim. Também há hipóteses de criar um tal espaço com recurso ao digital ou virtual. Acho que há muitas hipóteses de trabalhar este material. Espero que haja essa vontade e esse empenho para que isso aconteça," conclui.
Memória histórica de Angola
Mário Fradique Bastos também defende uma maior atenção em relação à memória histórica para preservar o passado, de modo a transmitir a verdade à jovem geração. O cinema pode desempenhar um papel importante neste sentido.
A longa-metragem "Independência", produzida entre 2010 e 2015, é o seu primeiro documentário, que retrata a luta de libertação de Angola. O filme, lançado em 2015 e vencedor do Prémio Nacional da Cultura para o Cinema de Angola, foi então reconhecido como um importante passo para a recuperação da memória histórica coletiva do país.
"Infelizmente, muitas coisas não saíram desde essa altura, principalmente na área do cinema, porque não existe essa preocupação com a memória do país, não existe essa preocupação com a cultura," critica.
Em Angola, já se está a ultrapassar a fase dos tabus – acrescenta – porque já há mais abertura. As pessoas já falam com mais liberdade, reconhece, admitindo por exemplo que acontecimentos como os do 27 de maio de 1977 também devem fazer parte dos registos da história de Angola.
"O '27 de Maio' já foi mais retratado em livros, ainda não foi retratado no cinema. Seria algo em que teria todo o interesse. Acho que também [em relação a] esse assunto, as pessoas estão preparadas e estão ávidas para falar e ouvir. Portanto, estou curioso para ver os próximos trabalhos que não só a Geração 80, a produtora [criada em 2010] de que faço parte, possa produzir em relação a isso," afirma.
Fradique, como é tratado na sétima arte, diz que os arquivos sobre os importantes períodos da história de Angola estão fora do país. A propósito dos arquivos coloniais, o realizador propôs na mesa redonda realizada esta terça-feira (24.09), na Culturgest, a restituição aos países africanos do espólio documental existente em países como Portugal.
"Os arquivos feitos por Portugal durante o período do colonialismo não deviam estar só em Portugal. Deviam estar em Angola, porque os maiores interessados em contar essas histórias e os anos de opressão são também os angolanos," defende.
O cineasta não sustenta a ideia de criação de um museu coletivo e insiste que "os arquivos sobre a história colonial deviam ser preservados em espaços adequados de modo a serem consultados por todos aqueles que desejam conhecer melhor o passado histórico dos países africanos".