Há ou não interferências na Justiça angolana?
9 de fevereiro de 2023Os magistrados estão a sofrer "interferências" em processos delicados. A denúncia foi feita, há dias, pelo presidente da Associação dos Magistrados do Ministério Público, Adelino Fançony, e gerou um novo debate público sobre até que ponto há uma separação entre os poderes executivo e judicial.
Fançony disse que, em processos sensíveis, há magistrados debaixo de uma pressão tal que têm de pedir repouso, por motivos de doença.
"Na sua maioria, as doenças têm como causa a posição em que o magistrado é colocado quanto às interferências internas e externas, quando tramitam processos sob a sua responsabilidade. Quando há interferências, ou o magistrado fica doente, porque deve gerir a interferência, ou torna-se persona non grata", relata.
Se os magistrados não cedem à pressão, poderão ser ostracizados no próprio trabalho. Segundo o advogado Agostinho Canando, um profundo conhecedor do sistema judiciário angolano, muitos profissionais veem-se entre a espada e a parede.
"Primeiro, a própria carreira dos magistrados em si começa a ficar comprometida, no sentido em que poderão não ascender a categorias superiores da magistratura. E muitas vezes são perseguidos com casos que nem sequer existem", sublinha, com acusações de calúnia ou difamação, que acabam por não ser comprovadas, exemplifica.
Alegadas interferências não são de agora
As denúncias sobre alegadas interferências no sistema de justiça angolano não são de hoje e já motivaram, no passado, intervenções da Ordem dos Advogados de Angola, de juízes, associações cívicas e mesmo de partidos políticos.
João Malavindele, diretor executivo da organização não-governamental angolana OMUNGA, diz ter ficado preocupado com o novo alerta da Associação dos Magistrados do Ministério Público.
Segundo a OMUNGA, as declarações do representante dos magistrados podem dissipar dúvidas que pairassem sobre a existência de interferências na Justiça. João Malavindele diz que, em função desta denúncia, é urgente identificar as pessoas ou instituições que estarão a interferir na atividade dos magistrados.
"É preciso que haja coragem, sobretudo do Ministério Público. Está na hora de ter um rosto, para responsabilizar. Nós não podemos continuar a ter uma Justiça que anda a reboque do sistema político", assevera.
Para isso, é preciso garantir que os denunciantes não sofrerão represálias, acrescenta Malavindele."Garantir a proteção dos magistrados que tiveram a coragem de publicamente denunciar as interferências que têm ocorrido nos tribunais", sugere.
O jurista Agostinho Canando diz que esta é uma questão que deve merecer uma reflexão de todos, sobretudo tendo em conta o impacto que tem no país.
"Da base ao topo, dos profissionais aos não profissionais, estejamos todos imbuídos nesta mesma causa, que é fazer com que a justiça impere cada vez mais, porque, senão, nenhum investidor aceitará investir na República de Angola, porque verá que as instituições não funcionam como tal", conclui.