História do exílio de uma "burguesa" moçambicana em Itália
1 de novembro de 2018Mickey Rebelo dos Santos - sobrinha de dois fundadores da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), Marcelino dos Santos e Jorge Rebelo - foi expulsa do país após um periodo passado num campo de reeducação.
A jovem burguesa não jurou fidelidade à FRELIMO.
"Eu fui expulsa de Moçambique depois de ter estado no campo de Matutuíne, que era um campo de reeducação militarizado para jovens. Eu era a favor da FRELIMO, mas tinha 18 anos, usava jeans, era uma pessoa livre, burguesa, não tinha feito nada de mal, se não o fato de apresentar-me, não como uma comunista – neste momento lembramos que Moçambique chamava-se República Popular de Moçambique –, ou seja, eu com o Mao Tsé-Tung [líder comunista e revolucionário chinês] não tinha nada a ver," recorda.
"Eu não queria vestir chinês. Eu queria jeans, Beatles e Rolling Stones, eu era isso. Então, não foi justo. Mas eu percebo porque isso aconteceu," avalia.
Naquele período não havia perdão para quem contrariasse os ideais do novo Governo independente. Nem mesmo para uma sobrinha dos fundadores do partido no poder em Moçambique desde 1975.
"Não importa que tu és sobrinha de, neste caso, dois [políticos] muito importantes, que eram o Marcelino dos Santos e o Jorge Rebelo. Tu também vais para a reeducação," avalia.
"Apanhei um choque, porque vinha de uma classe burguesa. Não tenho vergonha de dizer," considera.
"Tinha uma boa cultura e a prova é que ainda estou aqui e nunca traí o meu país. Nunca fiz política contra Moçambique, continuava a amar o meu país como amo hoje," diz.
Duas décadas sem ir "a casa"
Sem passaporte, Mickey ficou quase 20 anos impossibilitada de regressar ao seu país.
"Eu perdi a nacionalidade. Eu tenho que readquirir a nacionalidade, que é um processo diferente de quem perdeu só porque foi embora. Eu fui expulsa e, naquele momento, perdi a cidadania," explica.
"Depois, soube que tinha sido a minha avó que tinha dado o ultimato ao Marcelino dos Santos e disse: 'Olha, tu encontras a minha neta ou eu vou te bater'. E o Marcelino, que amava profundamente a sua mãe, pôs-se à minha procura e conseguiu encontrar-me. Depois que eu estive com o Marcelino, ele disse-me: 'Podes entrar em Moçambique," recorda.
"Então eu fiz a minha primeira visita a Moçambique. Uma emoção enorme porque é a tua terra. Quando chegas, sentes o cheiro da terra, da chuva, as pessoas, o amor, a comida," diz.
Relação com a oposição e expectativas para o futuro
Mickey conserva uma estima pelo líder histórico da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Afonso Dhlakama, e lamenta a morte do líder da oposição.
"Entre os meus planos havia esse de ir cumprimentá-lo e agradecer-lhe, porque de todas as maneiras não pode haver uma democracia sem uma oposição," revela.
"Acho que o Dhlakama fez muito por Moçambique e era importante a sua imagem," considera.
"Com a FRELIMO, fiquei bastante desiludida pelo o que aconteceu com o passado Governo. Há muitas coisas que não foram esclarecidas. Chissano, acho que fez um bom trabalho. Mas depois dele, acho que houve um desastre. Não foi bom. Moçambique foi-se muito abaixo," avalia.
Mickey espera poder entrar em seu país, não mais como uma estrangeira.
"O problema do passaporte é um problema de coração, não é um problema de necessidade de ter um passaporte. É triste que tenho que estar duas horas à espera porque sou estrangeira, não? Eu não sou estrangeira, eu sou moçambicana," conclui.