Guiné-Conacri em turbulência em vésperas de eleições
16 de outubro de 2020A Guiné-Conacri vai a votos no próximo domingo (18.10) para eleger o seu novo Presidente. A campanha eleitoral está a ser marcada por violência e pouco espaço para a discussão das propostas dos candidatos. Na capital Conacri, centenas de jovens têm bloqueado as caravanas políticas dos candidatos da oposição e destruído a propaganda eleitoral das fações antirregime.
"A campanha não está a ser feita com base em propostas, mas apenas na violência. As declarações dos partidos políticos são inflamadas e extremistas. Neste momento, o país está em brasa, só não sabemos quando é que começa a arder", lamenta a ativista social Helene Zogbelemou.
De acordo com a Amnistia Internacional, entre outubro de 2019 e julho de 2020, pelo menos 50 pessoas foram mortas pelas forças de segurança nos protestos contra o Presidente Alpha Condé, que concorre à reeleição. Mais de 200 pessoas ficaram feridas e muitas foram detidas arbitrariamente. O movimento de oposição Frente Nacional para a Defesa da Constituição estima que 92 pessoas foram mortas desde junho de 2019, mas o Governo contesta esse número.
Ilaria Allegrozzi, da organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW), considera que os acontecimentos violentos estão fora do controlo. "As tensões políticas e étnicas estão a aumentar em todo o país. Há também indícios de que o discurso violento usado pelos líderes políticos e os meios de comunicação social está a alimentar a violência", assevera.
"O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos já condenou os discursos de ódio que estão a levar ao aumento da intolerância e dos confrontos. Mais episódios violentos devem ocorrer, durante e depois da votação", alerta a especialista.
Silêncio da comunidade internacional
Segundo a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), para as eleições de domingo estão inscritos 5.410.089 eleitores. Na corrida à Presidência estão doze candidatos. Pela terceira vez, o maior rival de Alpha Condé é o líder da oposição, Cellou Dalein Diallo, que critica o silêncio da comunidade internacional sobre a situação política no país.
"A democracia e o Estado de Direito estão ameaçados. Alpha Condé não respeita os direitos dos seus adversários. Nós corremos o risco de entrar numa crise que pode comprometer a paz e a estabilidade do país. A comunidade internacional não diz nada e não faz nada", reprova Cellou Dalein Diallo.
Joschka Philipps, sociólogo da Universidade de Basel, na Suíça, sublinha que a população não tem perspetivas de mudança e já não acredita na democracia. "Para muitos, esta é apenas uma nova versão das eleições anteriores e, independentemente do que aconteça, é improvável que haja alguma mudança", comenta. "A frustração do povo guineense é tão grande que a questão é como é que esta eleição pode trazer algum tipo de esperança?", pergunta.
O ex-primeiro-ministro cabo-verdiano José Maria Neves vai liderar a equipa de 70 observadores da CEDEAO às eleições presidenciais na Guiné-Conacri.
Apesar da riqueza do seu subsolo, mais de metade da população da Guiné-Conacri vive abaixo do limiar da pobreza, com menos de um euro por dia, de acordo com as Nações Unidas.
Alpha Condé no poder há 10 anos
Eleito em 2010 nas primeiras eleições democráticas guineenses e reeleito em 2015, Alpha Condé, de 82 anos, fez aprovar um referendo constitucional que lhe permite agora disputar um terceiro mandato consecutivo à presidência da antiga colónia francesa.
Alpha Condé apresenta-se como um modernizador, que se opõe à excisão e aos casamentos forçados, e como o candidato das mulheres e dos jovens. Do seu percurso como líder do país, destaca a construção de barragens, a revisão dos contratos de mineração e a reforma do exército, durante um período em que o país atravessou a pior epidemia de ébola da história (2013-2016).
Nascido em Boké, Condé é de etnia mandinga, a segunda maior do país. Partiu para França com 15 anos, onde se licenciou em economia, direito e sociologia, tendo ensinado na Universidade da Sorbonne em Paris. Liderou movimentos de oposição ao regime ditatorial de Ahmed Sékou Touré, o líder da independência da Guiné-Concacri, que o condenou à morte à revelia em 1970. Regressou ao país em 1991, sete anos após a morte de Sékou Touré.
Nas eleições presidenciais de 1993 e 1998, que não foram consideradas livres, Condé foi oficialmente creditado com 27% e 18% dos votos. Foi preso após as eleições presidenciais de 1998 e condenado a cinco anos de prisão em 2000, mas, sob pressão internacional, foi indultado em 2001. Permaneceu na oposição até 2010, quando foi finalmente eleito na segunda volta, depois de ter sido ultrapassado na primeira pelo ex-primeiro-ministro, Cellou Dalein Diallo.
Em 2015, foi reeleito na primeira volta, muito à frente Diallo, o seu principal adversário, que vai enfrentar novamente no domingo.
Quem é Cellou Dalein Diallo?
Cellou Dalein Diallo, 68 anos, entrou na disputa política após dez anos no governo do General Lansana Conté (1984-2008). Membro do grupo étnico fula, o maior do país, é da aldeia de Dalein (centro).
Antes de entrar para o Governo, passou pela gestão de uma empresa estatal durante o regime de Ahmed Sékou Touré (1958-1984) e pelo Banco Central com Lansana Conté. Em 1996, entrou para o Governo como ministro dos Transportes, passando depois por outras pastas até ser nomeado em 2004 como primeiro-ministro. Em 2007, assumiu a liderança do partido da oposição União das Forças Democráticas da Guiné (UFDG).
Em 2010, na primeira volta das eleições parecia estar à beira de ser eleito Presidente, com 43,69% dos votos, muito à frente de Alpha Condé, que tinha 18,25% dos votos, mas este foi proclamado vencedor da segunda volta, organizada quatro meses mais tarde.
Sob pressão, mas convencido de uma "manipulação" em massa, Cellou Dalein Diallo, reconheceu os resultados, para evitar um banho de sangue, segundo disse na altura.
Apesar da adoção em março de 2020, num referendo boicotado pela oposição, de uma nova Constituição, para legitimar uma nova candidatura de Alpha Condé, Cellou Dalein Diallo lançou-se novamente na corrida, assegurando que, desta vez, a vitória não pode escapar.