Guerra em Gaza: O ato de equilíbrio do Qatar dá frutos
23 de novembro de 2023O Qatar anunciou para hoje (23.11) a entrada em vigor da trégua de quatro dias nos combates entre Israel e o grupo islamita palestiniano Hamas. O anúncio surgiu horas depois do conselheiro de segurança nacional de Israel, Tzachi Hanegbi, dizer, no dia anterior, que a libertação de reféns detidos na Faixa de Gaza e o início da trégua, previstos para esta manhã, não acontecerão antes de sexta-feira.
A "pausa humanitária", à qual aderiu também o braço armado do Hezbollah, no Líbano, permitirá a libertação de 50 israelitas raptados pelo Hamas, em troca da libertação de cerca de 150 prisioneiros palestinianos das prisões israelitas, assim como o fornecimento de ajuda humanitária urgente à população na Faixa de Gaza.
O Egito, que assinou um acordo de paz com Israel em 1979 e partilha uma fronteira com Israel e Gaza, assim como os Estados Unidos da América (EUA), participaram nas negociações. Mas o Qatar é considerado a peça crucial do diálogo.
Balançar diplomacias
O que não lhe poupa críticas. Há comentadores que salientam que a liderança política do Hamas tem a sua sede no emirado desde 2012, o que torna o país de alguma forma cúmplice nos ataques de 7 de outubro. Nesse dia, o grupo terrorista matou, pelo menos, 1200 israelitas e raptou outros 240. A retaliação israelita até agora custou a vida a 13,000 pessoas na Faixa de Gaza.
"O papel do Qatar é particularmente delicado porque o emirado se esforça por manter as melhores relações possíveis com todas os atores na região," disse à DW Guido Steinberg, do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança.
"No Qatar há, por exemplo, uma grande base da força aérea americana, ao mesmo tempo que Doha mantém relações particularmente boas com o Irão e o Hezbollah. Na atual crise, as atenções estão centradas no Qatar porque as suas relações com o Hamas são também particularmente boas", explicou Steinberg.
Uma nação pragmática
O Qatar serviu de interlocutor entre a comunidade internacional e os talibãs no Afeganistão, também eles com escritórios políticos em Doha; entre os EUA e o Irão; e entre a Rússia e a Ucrânia. Tudo isto mereceu ao emirado a designação "Suíça do Médio Oriente".
O país também anteriormente serviu de mediador entre Israel e o Hamas, por exemplo na guerra de 2014. Em 2009 suspendeu oficialmente as relações com Israel. Mas alegadamente mantém com Tel Aviv uma relação bilateral ativa nos bastidores. Já em 1996, numa altura em que outras nações da região se opunham firmemente a quaisquer laços com Israel, o Qatar permitira que o país abrisse uma missão comercial em Doha.
"O Qatar há muito que mantém relações pragmáticas, usando incentivos financeiros para gerir e reduzir as várias tensões e guerras entre Israel e o Hamas", disse à DW Sanam Vakil, diretor do Programa para o Médio Oriente e Norte de África do grupo de reflexão britânico Chatham House.
Vakil considera o Qatar como "um intermediário óbvio para assegurar a libertação dos reféns e encontrar pontos de entrada para diminuir a escalada e proteger as pessoas no terreno, à medida que a questão humanitária se agrava".
O Qatar opera numa espécie de zona cinzenta, segundo escreveu no semanário The New Yorker, o jornalista e autor Joel Simon.
Embora os responsáveis digam que são guiados por princípios humanitários e pelo desejo de reduzir conflitos e promover a estabilidade, uma prioridade clara "é ganhar influência e visibilidade, uma postura que eles acreditam que aumenta a sua própria segurança numa região volátil", escreveu. O Qatar está ciente de que a sua influência nos dois lados do conflito faz do país um aliado valioso.
Investidor importante em Gaza
Até recentemente, o Qatar investia cerca de 27 milhões de euros por mês em Gaza. Os debates em torno destes fundos mostram, no entanto, a fragilidade da posição do Qatar no que toca aos palestinianos e ao Hamas.
Há suspeitas de que o emirado subsidie a ala militar do Hamas e permitindo que os fundos sejam utilizados para fins nefastos. O Hamas governa o enclave desde 2007 e também gere os pagamentos para a administração civil de Gaza.
Segundo a ONU, já antes da atual crise, 80% dos habitantes da Faixa de Gaza dependiam da ajuda internacional, devido ao bloqueio da faixa por Israel.
Há poucas semanas, um responsável do Governo de Doha rejeitou a acusação, e disse a jornalistas que o dinheiro se destinava a famílias carenciadas e aos salários dos funcionários públicos, incluindo médicos e professores.
Explicou ainda que os fundos são enviados eletronicamente para Israel, que depois os transfere para as autoridades de Gaza. Todos os pagamentos são "coordenados com Israel, a ONU e os EUA", insistiu.
Responsáveis norte-americanos referem que o sistema de angariação de fundos do Hamas é vasto, variado e complexo. É provável que algum dinheiro, incluindo aquele proveniente do Qatar, seja utilizado ilegitimamente, afirmam, juntamente com outros financiamentos, como do Irão, que desempenha um papel importante no apoio ao Hamas.
Após o ataque de 7 de outubro, os EUA sancionaram várias entidades que associam ao financiamento do Hamas, incluindo um intermediário no Qatar, bem como outros no Sudão, Turquia e Argélia.
"Oportunidade para um cessar-fogo"
Um dos resultados do atual conflito parece ser um acordo entre o Qatar e os EUA, que obriga o emirado a distanciar-se mais claramente do Hamas depois do fim do presente conflito.
Os dirigentes do Qatar afirmam que a diplomacia é a solução para a paz.
"O acordo mediado pelo Qatar entre Israel e o Hamas marca o primeiro ganho diplomático importante desde o início da guerra", concorda Hugh Lovatt, político do Conselho Europeu de Relações Externas. E esta é "uma oportunidade para abrir um espaço para avançar com um cessar-fogo total", afirmou em declarações à DW.
Se o Qatar expulsar todos os funcionários do Hamas, os representantes do grupo militante poderão optar por residir nalgum país muito menos disposto a contribuir positivamente, caso seja necessária mais intervenção diplomática. Antes de 2012, a direção política do Hamas estava sediada na Síria.