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27 de maio em Angola: Honrar a memória das vítimas

27 de maio de 2019

Aloma perdeu o irmão no massacre que se seguiu à alegada tentativa de golpe de Estado em 1977. Carlos Taveira sofreu na prisão. Mais de 40 anos depois, vítimas e familiares exigem pedido de desculpas do Estado angolano.

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Agostinho Neto
Foto: casacomum.org/Documentos Dalila Mateus

A alegada tentativa de golpe de Estado de 1977 em Angola, a que se seguiu um massacre, roubou a vida a milhares de opositores do regime de Agostinho Neto, entre eles José Van Dunem - irmão da atual ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van Dunem, que esteve recentemente em Luanda, mas que se escusou a falar deste passado negro na história de Angola. As barbaridades cometidas pelo regime do primeiro Presidente angolano ainda continuam presentes nas memórias dos sobreviventes.

Maria Aloma Teixeira afirma que, apesar de ainda ser um tabu falar destes acontecimentos, continuará a defender a honra do seu irmão, "Nado" Teixeira, e exige um pedido de desculpas por parte do Estado angolano.

27 de maio em Angola: Honrar a memória das vítimas

Bernardo Lopes Teixeira, conhecido por comissário "Nado" Teixeira, terá sido morto na sequência do massacre que sucedeu à alegada tentativa de golpe de Estado contra Agostinho Neto, supostamente engendrada pelo chamado grupo fracionista do MPLA, encabeçado por Nito Alves.

"O meu irmão foi preso a 27 de maio [de 1977], porque, aliás, já estava a ser perseguido pelas forças de ditadura de Agostinho Neto, apenas por estar contra as práticas incorretas que o regime ia fazendo", conta Maria Aloma Teixeira, conhecida por Aloma.

"Após a independência, começaram a adquirir casas e carros luxuosos, viagens para as suas famílias para o exterior, até para arrancar unhas encravadas. E eles começaram a ser perseguidos. Daí arranjarem o vocábulo 'fracionismo' – que quer dizer divisão – [dizendo] que eles estavam a dividir o povo, que é para enganar o povo, para fazerem o que eles mais tarde queriam fazer: eliminar os que estavam contra essas práticas, que era o Nito Alves e mais aqueles que já sabemos", explica.

O choque e o silêncio

O irmão, diz Aloma, "foi severamente castigado e levado para a cadeia de São Paulo [em Luanda]”. Mas há uma outra versão: "Eu não vi, mas os meus pais receberam um bilhete, nessa altura, escrito pelo próprio Neto, a dizer que iria entregar-se à cadeia de São Paulo. Daí, nunca mais soube nada. Não nos disseram absolutamente nada. Mais tarde é que soubemos que ele já tinha sido morto".

Maria Aloma Teixeira Schwester eines der Opfer vom 27. Mai 1977 in Angola
Maria Aloma TeixeiraFoto: DW/J. Carlos

A notícia teve um enorme impacto na família: "O meu pai, quando soube, teve logo um ataque de coração que o levou à morte, mais os anos que sofreu. A minha mãe nunca mais foi a mesma. Andou de volta das cadeias a querer saber do seu rico filho. Aqueles cobardes nunca quiseram dizer a verdade".

Aloma afirma que foi mandada calar por algumas pessoas próximas, que a quiseram impedir de chorar ou reclamar e que ela e as suas irmãs foram "ameaçadas com recados: 'digam às filhas do 'Nado', às irmãs do 'Nado', que estão constantemente a falar mal do Governo, cuidado, cuidado'".

"Eu disse que não tinha medo de ninguém. Não tenho medo de ninguém até agora. Continuarei a defender a honra do meu irmão, que morreu sem dignidade", garante, sublinhando que fala também em nome de muitas mulheres que foram torturadas e violadas antes de serem fuziladas.

Depois da prisão, o ódio à ditadura

Carlos Taveira, detido desde finais de 1976, esteve na Prisão de Luanda, considerada a prisão mais aterradora de Angola. Um dos sobreviventes dos assaltos feitos àquele estabelecimento prisional, Taveira também guarda memórias dos acontecimentos relacionados com o suposto golpe de Estado de 27 de maio de 1977. Diz não ter sofrido tortura física e choques elétricos, mas foi submetido a longos interrogatórios por pertencer à Organização Comunista de Angola (OCA).

Carlos Taveira Opfer vom 27. Mai 1977 in Angola
Carlos TaveiraFoto: DW/J. Carlos

"Faziam outro tipo de coisas. Eram interrogatórios longos. Eu estive numa cela de isolamento muito pequena durante cinco meses. São formas de tortura também. Mas quem passou por outro tipo de tortura muito violenta que começou naquela prisão depois do 27 de maio, fica – eu pelo menos fiquei – com pouca esperança na humanidade", afirma.

O escritor angolano radicado no Canadá diz que ali, naquela prisão de Luanda, viu indivíduos bons transformarem-se em torcionários, mas descreve, ao mesmo tempo, uma grande humanidade entre os presos. "Havia indivíduos que estavam sentados ao nosso lado que ideologicamente eram completamente diferentes, mas houve necessidade desse diálogo para ir para a frente", explica.

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"A tortura em si, durante muito tempo eu estive revoltado, mas com o tempo fui fazendo a paz", admite. Ainda assim, adianta, ficou com ódio à intolerância e ao pensamento único, em suma, à ditadura.

Depois das atrocidades cometidas na prisão de São Paulo, Angola ainda passou por tempos muito mais difíceis. Houve uma guerra que se prolongou durante muitos anos, guerra esta, "de uma inutilidade incrível”, refere Taveira, e que provocou danos profundos, "porque não levou a nada. Só levou à destruição e acabou com a morte de Jonas Savimbi. Matou-se o Savimbi e no dia seguinte a paz aconteceu".

Reconciliação impõe-se

Mais de quatro décadas após o alegado golpe de Estado, já é possível a reconciliação e o reconhecimento dos erros do passado? É necessário pedir perdão às famílias das vítimas? "É fundamental, sim senhor. E é possível. Claro que é possível. É preciso é haver vontade para isso", responde Carlos Taveira. "A vontade vem de um sítio só, apenas. Aquele núcleo que é extremamente duro e que tem de meter na cabeça que isso é possível, que é o Bureau Político do MPLA, aquele Comité Central. É dali que vêm todas as diretivas. Um presidente não pode governar Angola sem o seu apoio. Portanto, é dali que tem de vir [esse perdão]. E se não vier dali não vem, não virá de lado nenhum".

Para o escritor angolano, o diálogo com as famílias das vítimas e a emissão de certidões de óbito serão necessários para a reconciliação na sociedade angolana. A família de "Nado" Teixeira, que não pôde fazer o funeral, exige um pedido de desculpas por parte do Governo de Angola. Pede ao Presidente João Lourenço que cumpra a promessa de homenagear as vítimas do 27 de maio e que seja construído um memorial em honra das vítimas, que apenas queriam um país democrático.

"Em vez de construírem um memorial em homenagem ao Agostinho Neto, que os mandou matar, que façam o contrário ou o mesmo: que construam um monumento em homenagem a essas vítimas inocentes, que morreram sem dignidade, que foram atiradas para valas comuns, quiçá para os mares".

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