Angola: Vítimas do 27 de maio de 1977 exigem justiça
19 de novembro de 2018Em Angola, o Governo angolano admitiu "excessos", com "execuções e detenções sumárias" em 1977, por ocasião da alegada tentativa de golpe de Estado, prometendo introduzir o tema dos direitos humanos nos programas escolares para prevenir novos casos no futuro.
O reconhecimento foi feito sábado (17.11.) pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Francisco Queiroz, que, em declarações à Rádio Nacional de Angola, publicadas na imprensa angolana (18.11), admitiu ter havido, da parte do Governo de então, uma "reação excessiva aos acontecimentos que se seguiram à tentativa de golpe de Estado", levada a cabo pelos que ficaram conhecidos por "fracionistas" do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
José Fragoso, antigo militante do MPLA, e vice-presidente da Associação Cívica 27 de Maio viveu na própria pele, os excessos do chamado 27 de Maio de 1977 e já publicou quatro livros sobre o assunto: "O Meu Testemunho”, "A Purga de 27 de Maio de 1977 e suas consequências trágicas” e "Nito Alves, a última vítima do MPLA no século 20" e há pouco meses ainda: "O MPLA contra si mesmo. As mentiras que parecem ser verdades”
DW África: Trata-se de um bom sinal para as vítimas do 27 de maio, o facto do MPLA e o governo angolano admitirem pela primeira vez que houve excessos na perseguição dos chamados fracionistas dos quais fazia parte...
José Fragoso (JF): Quanto a isso dou o benefício da dúvida, porque em 2001 - quando a Fundação 27 de Maio realizou a sua primeira conferência onde exteriorizou os nomes dos matadores - o MPLA fez uma declaração onde dizia que já não nos tratavam de golpistas nem de fracionistas, mas sim de patriotas incompreendidos. Na mesma declaração dizia-se que houve excessos e que não havia motivo para serem colocados entraves para a solução do processo. Volvidos 11 anos, isto é em 2013, quando o MPLA se apercebeu que os sobreviventes associados na Fundação 27 de Maio tinham decidido realizar uma manifestação frente à sede do MPLA, voltou a publicar a mesma declaração, mas até hoje não disse mais nada....
DW África: O que é que mudou com João Lourenço, no que diz respeito ao tratamento deste assunto que durante muitos anos foi um tabú?
JF: Ainda no início de outubro endereçámos uma carta ao Presidente João Lourenço, com conhecimento da sua esposa, que também foi vítima do 27 de maio, no sentido de solicitarmos um espaço para a construção de um monumento. Até este momento ele não disse nada. Por isso, para nós esta posição não é nenhuma novidade. Esperamos que João Lourenço mantenha esse pronunciamento que está a fazer porque quando tomou posse numa entrevista sobre o 27 de maio ele não foi concreto. Agora, se está a falar sobre isso esperamos que o 27 de maio seja um imperativo. A reconciliação nacional entre os angolanos só será possível com a resolução dos passivos no seio do MPLA. O MPLA só ficará reconciliado com o povo e com a nação se resolver a questão concernente ao 27 de maio.
DW África: Falando de violações dos direitos humanos: pode dar alguns exemplos: em que consistiam essas violações? Pode falar da sua experiência pessoal. Sei que sobreviveu apenas por sorte à purga....
JF: Costumo dizer que a minha sobrevivência foi divina porque estava para ser fuzilado e isso não aconteceu porque o chefe da comissão de fuzilamento era meu primo. Acusaram-me de ser altamente perigoso e que deveria ser morto mais, lentamente. Haviam de me levar para aos poucos me matarem. Eu e mais quatro pessoas fomos levados para assistir ao fuzilamento de outras pessoas, depois de vê-los queimados colocaram-nos num camião e fomos levados até uma cela onde ficamos oito dias.
DW África: Quais as reivindicações das vítimas em geral e - em especial - do José Fragoso?
JF: Primeiro, exigimos um debate nacional sobre o que se passou a 27 de maio porque a juventude só conhece a versão oficial. Um outro elemento muito importante é que haja um enterro condigno das vítimas e que seja construído um monumento para que as gerações presente e futura conheçam este processo porque um povo que não conhece o seu passado está sujeito a repetir os erros no futuro - e isso é muito mau.