20 anos após o assassinato do jornalista Carlos Cardoso
22 de novembro de 2020Jornalistas ouvidos pela DW África consideram que a morte de Carlos Cardoso não impediu que o jornalismo investigativo avançasse em Moçambique - ele inspirou também muitos profissionais a abraçarem esta área.
Carlos Cardoso encontrou a morte ao ser alvejado com uma rajada de metralhadora dentro da sua viatura, numa zona nobre da cidade de Maputo, depois de terminar mais uma jornada de trabalho no Jornal Metical, o então diário mais popular de Moçambique.
O assassinato aconteceu numa altura em que Cardoso perseguia apistas de uma fraude no ex-Banco Comercial de Moçambique, avaliada, na altura, em 14 milhões de dólares americanos. Em conexão com o caso foram julgados e condenados seis réus a penas que variam entre 23 e 28 anos de prisão.
Cardoso destacou-se também ao opor-se ao Governo para o encerramento da indústria do cajú no país, impostas pelo Banco Mundial, que lançaram milhares de trabalhadores ao desemprego.
A data em que Moçambique relembra os 20 anos do assassinato de Carlos Cardoso, está a ser marcada pela publicação de depoimentos de jornalistas nos média. Não apenas fala-se sobre o seu trabalho e o particular legado para o jornalismo investigativo. O ponto mais alto desta celebração é um velório no local em que ocorreu o seu assassinato.
"É proibido pôr algemas nas palavras"
O jornalista Paul Fauvet, co-autor do livro "É proibido por algemas nas palavras - uma biografia de Carlos Cardoso, editado em 2004" disse à DW África que assassinato do Cardoso foi um duro golpe no jornalismo moçambicano.
"Há pessoas que continuam a fazer investigação, mas é difícil encontrar pessoas com o calibre e a qualidade de Carlos Cardoso. Cardoso destacava-se pela sua integridade, trabalho duro e o compromisso com a verdade", acrescentou.
Por seu turno, Salomão Moyana, antigo colega de Cardoso disse que o malogrado inspirou dezenas, senão centenas, de novos jornalistas moçambicanos.
"Cardoso morreu há 20 anos, mas 20 anos depois longe de amordaçar a liberdade de imprensa, os que o mataram até atiraram lenha para fomentar mais a liberdade de imprensa e de expressão no país", sublinhou.
Salomão Moyana considera que, neste momento, o nível de investigação do jornalismo em Moçambique melhorou razoavelmente em relação há 20 anos atrás, contexto em que Cardoso era a única pessoa tida como "corajosa", e que conduzia muitas investigações difíceis.
Atualmente, um dos temas importantes para o jornalismo investigativo moçambicana é Cabo Delgado. O trabalho é realizado em zonas difíceis e num local que é alvo constante dos ataques de alegados jihadistas. Ali, o trabalho das rádios comunitárias nesta região merece destaque, diz.
Desafios para o jornalismo investigativo em Moçambique
O jornalista Paul Fauvet destaca que ao contrário de outros pontos do país os profissionais de comunicação em Cabo Delgado tem dificuldades para realizar o seu trabalho devido aos alegados jihadistas e de autoridades. Fauvet lança um apelo ao executivo para que sejam criadas as condições para o livre exercício da atividade.
Por seu turno, Fernando Lima considera que, atualmente, há muito mais liberdade, apesar dos "esquadrões da morte" que actuam contra jornalistas, e outras personalidades. Mas o contexto histórico "de Cardoso foi muito específico, ou seja, pessoas da elite política acharam que, com grande facilidade, não 'custava nada' eliminar uma pessoa que lhes era incómoda", afirmou Lima. O mesmo observou que o assassinato do jornalista teve um custo alto para reputação do país, e das autoridades moçambicanas.
Entretanto, segundo o antigo amigo de Cardoso, Salomão Moyana, as intimidações aos jornalistas continuam a registar-se hoje, tal como há 20 anos. "Além do Cardoso, morreram muitas outras pessoas, e outros jornalistas foram também agredidos. Se formos 'cavar por dentro', há a questão política por trás", afirma.
Ele defende que o poder político em Moçambique deve se democratizar ainda mais, e mudar para permitir que o jornalismo tenha a sua expressão de liberdade, sem intimidações e sou limitações.
Salomão Moyana admite, no entanto, que a situação melhore como resultado do movimento em curso de criticas e debates sobre a liberdade de imprensa que pode conduzir a uma maior abertura do poder politico, para o trabalho jornalistico.
Fernando Lima é "muito optimista" e explica que "há uma nova geraçao de jornalistas, que não tem nada a ver com o Carlos Cardoso, mas que são destemidos, muito corajosos e não tem quaisquer compromissos de natureza política".