É possível acabar com o dinheiro em espécie?
19 de maio de 2015Poucos colocariam em dúvida que dinheiro é o que faz o mundo moderno girar. Mas será que ele precisa ter a forma física de cédulas e moedas? Afinal, ele não passa de pontos no sistema de contagem de créditos e débitos mantido pelas instituições bancárias.
Quando o banco entrega a alguém uma nota de 100 euros, ele retira 100 euros da conta da pessoa em questão. Então, para que manusear dinheiro vivo, se hoje em dia todo o mundo possui telefones celulares e cartões de débito? Não seria muito mais eficiente abolir todo esse montante em papel adotando, em vez disso, um sistema de pagamento inteiramente eletrônico?
Um debate sobre o tema vem se desenrolando há anos. Agora os economistas alemães entraram na questão para valer, dando urgência extrema à questão.
Em entrevista à revista Der Spiegel, Rolf Bofinger, um dos principais consultores econômicos do governo alemão, declarou que notas bancárias são "um anacronismo" a ser superado o mais em breve possível.
Seu argumento é que imprimir e fazer circular dinheiro em espécie gera custos gigantescos, e que seu uso provoca, por exemplo, as longas filas nos caixas do supermercado, implicando grande desperdício de tempo. Além disso, prosseguiu, dar fim às cédulas e moedas representaria um golpe severo nas transações do mercado negro e na "economia das sombras" em geral.
Anonimato perigoso?
De fato: estudos recentes confirmam que a quantidade de dinheiro em circulação nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) excede de longe tudo o que pode ser atribuído ao uso legal na economia interna. Bofinger sugere que se dedique a uma reflexão cuidadosa sobre o tema parte da cúpula do G7 no início de junho, na Baviera.
A ideia subjacente, defendida repetidamente pelo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kenneth Rogoff, é que o dinheiro físico é, em grande parte, o que possibilita as transações anônimas.
Segundo ele, uma propriedade essencial do dinheiro é que "nem o comprador nem o vendedor precisam ter conhecimento de sua história, conferindo-lhe um certo tipo de anonimato". Em contrapartida, governos e autoridades legais têm um controle muito maior sobre o dinheiro eletrônico, que é incomparavelmente mais fácil de localizar.
"Liberdade impressa"
Contudo, a esperança de Bofinger de que o dinheiro se torne, em breve, uma coisa do passado, foi imediatamente contestada pelo economista Lars Feld, de Freiburg, para quem cédulas bancárias são uma forma de "liberdade impressa". Elas seriam, segundo ele, um direito dos cidadãos, como forma de escape a um controle total pelo Estado.
Pelo menos na Alemanha, parecem mínimas as chances de o dinheiro físico desaparecer em breve, já que, no momento, é insignificante o apoio popular a tal medida. Segundo um estudo recente do Deutsche Bundesbank, os consumidores alemães ainda preferem pagar em espécie, apesar de todos os avanços técnicos disponíveis no mercado.
O banco central do país informa que 79% de todas as transações individuais na Alemanha, em 2014, foram realizadas com cédulas e moedas (a estatística não se refere ao total de euros em questão, apenas ao número de compras e vendas). Segundo Carl-Ludwig Thiele, da presidência do Bundesbank, não está em cogitação qualquer medida para restringir o uso de dinheiro físico no país.
Escandinavos
Na Escandinávia, o quadro é totalmente diverso, como apontou o diário Frankfurter Allgemeine Zeitung. São poucos os ainda apegados ao dinheiro em espécie, que quase não é mais utilizado em compras na Dinamarca, na Finlândia e na Suécia. E encontraram boa ressonância os argumentos de políticos e banqueiros por sua abolição total, levantados numa campanha.
Em meados de maio, o governo dinamarquês apresentou uma proposta de lei permitindo restaurantes, postos de abastecimento e lojas menores se recusarem a receber dinheiro em espécie. A aprovação no Parlamento não passará de mera formalidade.
Introduzir um sistema exclusivamente eletrônico de pagamento exigiria um enorme esforço de muitos protagonistas econômicos. Iniciar um sistema desses de forma unilateral seria, sem dúvida, arriscado, já que o dinheiro de um país poderia ganhar popularidade em outros que tivessem abolido suas cédulas e moedas, ressalva Kenneth Rogoff. Assim, qualquer tentativa nesse sentido deveria envolver um tratado que incluísse as principais moedas globais, sugere o economista-chefe do FMI.